
Fadiga de material. Por José Horta Manzano
Fadiga de material…O que mais me impressionou, no entanto, foi a expressão do rosto do capitão. Se você não estiver distinguindo, faça um zoom da imagem. Seu ar acabrunhado é revelador de um mal-estar profundo…
Sábado 29 de junho, avenida Paulista, meio de tarde ensolarada. Palanque montado, caixas de som tinindo, barreiras de proteção armadas para impedir que alguma autoridade despenque lá de cima. Está tudo pronto para um enésimo show de Jair Bolsonaro, ex-presidente que se recusa a admitir publicamente que seu tempo passou e que a próxima porta que se lhe vai abrir é a da cadeia.
O evento foi marcado para o dia de São Pedro, santo forte, talvez na esperança de ele ajudar a atrair aquele povaréu que costumava coalhar a avenida nos comícios bolsonarianos de antanho. Ah, aquele mar de gente, que quadro inesquecível! Mas nem São Pedro ajudou. Ou, quem sabe, até tentou ajudar, mas o povo, mais realista que o capitão, já entendeu que não vale a pena gastar sola de sapato com causa perdida.
O instantâneo reproduzido acima foi tirado durante a execução do Hino Nacional. A mão sobre o coração, encenada por alguns, confirma. É interessante observar a atitude de cada um. Tendo em vista a forma arredondada dos lábios dos que cantam, o canto deve estar lá pela estrofe que fala dos “raios fúúúlgidos”. Os governadores de RJ, SC e MG, posicionados como um bando solícito que respeita Seu Mestre, todos cantam compenetrados. Já o governador de São Paulo, na terceira fila, o mais bem colocado no bloco de partida para 2026, observa distante e aparentemente silencioso.
No quadrado da direita, entre os ocupantes, nota-se o cidadão Wajngarten, aquele que foi demitido do PL mês passado por ordem de Michelle Bolsonaro, num capítulo que lembra querela de vizinhança. Brios, na política brasileira, fazem parte das mercadorias escassas. Me chamou a atenção um cidadão de óculos, bem à frente dos outros, que entoa o hino com fervor, de olhos fechados.
Boa parte dos presentes veste camisa ou camiseta amarela. Até o cinegrafista posicionado logo atrás de Bolsonaro veio condignamente vestido. Fiquei imaginando que, com o equipamento caro que carrega, não podia arriscar a ser espancado como um herege ao descer do palanque. Logo atrás dele, está Waldemar velho de guerra, ex-presidiário, hoje dono do PL. Eu o imaginava mais alto.
Percebi, enfim, que Bolsonaro vestiu uma camisa amarela, mas encobriu-a com uma jaqueta azul. Numa tarde ensolarada e quente, pra que jaqueta? Pesquei: deve ser para encobrir o colete à prova de bala, acessório que ele costuma vestir desde que levou a facada. Assim mesmo, a jaqueta podia ser amarela. O que mais me impressionou, no entanto, foi a expressão do rosto do capitão. Se você não estiver distinguindo, faça um zoom da imagem. Seu ar acabrunhado é revelador de um mal-estar profundo.
Enquanto isso, bem à esquerda da imagem, na altura do totem que segura o semáforo, é visível a fumaceira de um apartidário churrasquinho de rua (dizem que é sempre de gato, mas pode até não ser). Alheio às lides políticas, o churrasqueiro é sempre o mesmo. Se o comício é de Bolsonaro, veste amarelo. Se for de Lula, vem de vermelho. E vai levando sua vidinha simples, sempre presente na foto.
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.