Sai Bolívar, volta Rio Branco.

Sai Bolívar, volta Rio Branco

Por Ruy Fabiano

O Brasil virou as costas a seus parceiros tradicionais, reduziu sua presença no comércio internacional e tornou-se um ente mais secundário ainda na geopolítica mundial, definido pelo chanceler de Israel como um “anão diplomático”.

Artigo publicado originalmente no Blog de Ricardo Noblat, 21 de maio de 2016

O ministro do Exterior, José Serra, é o responsável pelo primeiro – e até aqui único – gol de placa do governo Temer. Para consigná-lo, não precisou ir além do óbvio: repeliu insultos proferidos por governos de países bolivarianos, inconformados com o afastamento constitucional da presidente Dilma Rousseff.

Como o óbvio há muito andava ausente do Itamaraty, a começar pela bizarra circunstância de que não era comandado pelo ministro das Relações Exteriores, mas por um assessor da presidência, militante partidário, Marco Aurélio Garcia, Serra, com algumas poucas canetadas, revogou toda uma era de patetices.

Um período em que a política externa do país abdicou do clássico pragmatismo responsável para alinhar-se aos interesses ideológicos do partido circunstancialmente no poder. Diplomacia partidária, eis a grande revolução legada pelo petismo.

Suas diretrizes eram emanadas do Foro de São Paulo, entidade fundada em 1990, por Lula e Fidel Castro, para reunir as esquerdas latino-americanas e levá-las ao poder.

Tornou-se o reduto do bolivarismo, que pretendia transformar o continente numa Pátria Grande – a Ursal (União das Repúblicas Socialistas Latino-americanas) –, por meio de ações institucionais graduais, emanadas da Unasul, sem levar o tema ao debate de seus respectivos povos. Da entidade, faziam parte pelo menos dois grupos terroristas, que figuram como fundadores, as Farc (hoje também poderoso cartel do narcotráfico), da Colômbia, e o MIR, do Chile.

O Brasil, como disse Lula, por ser o maior e mais rico país do continente, tinha compromissos maiores na sustentação política e econômica do projeto (que o diga o BNDES), que começou a ruir com a vitória de Macri na Argentina e agora sofre seu baque maior com a saída do PT do poder.

Serra jamais fez parte do coro anti-Foro de São Paulo. Instado, numa das manifestações pró-impeachment, a falar do tema, minimizou-o, achando-o secundário. Mas desfechou contra a entidade o golpe mais letal, ao rechaçar o chororô dos países-membros contra o afastamento constitucional de Dilma e retirar o Brasil da jogada.

É compreensível a inconformidade de governos como os da Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador, El Salvador, Uruguai, entre outros, até aqui supridos com suculentas mesadas, que lhes permitiram empreender, via BNDES, obras de infraestrutura que os contribuintes daqui há muito estão carecendo.

Quando se abrir a caixa-preta do BNDES – e há requerimento de CPI nesse sentido, de autoria do senador Ronaldo Caiado -, ficará evidenciado o custo da generosidade ideológica do petismo. Caridade com o chapéu alheio – o nosso.

O porto de Mariel, em Cuba, mais moderno que qualquer dos portos brasileiros, é apenas a obra mais conhecida, mas está longe de ser a única ou a mais cara. Há ainda a reforma da malha aeroportuária cubana e a mesada do Mais Médicos.

E há muito mais: linhas de metrô na Venezuela, outro porto em construção no Uruguai, estradas no Equador e na Bolívia – que, em sinal de agradecimento, apossou-se, manu militari, de uma refinaria da Petrobras em seu território.

Lula, posteriormente, confessaria ter autorizado Evo Morales a fazê-lo, sensibilizado com a pobreza do povo boliviano.

Não é esse, porém, o dano maior causado pela política externa bolivariana, que Serra acaba de exorcizar. O Brasil virou as costas a seus parceiros tradicionais, reduziu sua presença no comércio internacional e tornou-se um ente mais secundário ainda na geopolítica mundial, definido pelo chanceler de Israel como um “anão diplomático”. Serra está pondo fim à fase liliputiana de nossa diplomacia, exumando a ossada do Barão do Rio Branco.

Seu gesto, claro, não resolve os problemas da política externa brasileira, mas faz algo que o conjunto do governo Temer muito ganharia se levasse em conta: sinaliza claramente uma mudança de rumos. Como se sabe, política gravita em torno de símbolos e gestos.

O governo Temer, quanto a isso, ainda carece de sinalizações mais claras e objetivas, que perdeu a chance de oferecer na escolha de alguns ministros e de seu líder na Câmara, deputado André Moura. Ignorou o dito de que à mulher de César não basta ser honesta: precisa também parecer honesta. Alguns ministros e aliados do governo podem até ser, mas não parecem; outros, nem são, nem parecem.

Assim, não dá. Ave, Serra!

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Ruy Fabiano É jornalista

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