A morte de Euclides da Cunha : legítima defesa de legítima defesa da honra. Por Antônio Claudio Mariz de Oliveira

A morte de Euclides da Cunha : legítima defesa de legítima defesa da honra

Antônio Claudio Mariz de Oliveira

… O crime que vitimou o grande jornalista e escritor Euclides da Cunha foi praticado pelo oficial do exército Dilermando de Assis, em legítima defesa à uma conduta que, por sua vez, constituiria, em tese, um homicídio passional, caso típico de legítima defesa da honra…

PUBLICADO ORIGINALMENTE EM MIGALHAS.COM.BR, 22 DE SETEMBRO DE 2016

O crime que vitimou o grande jornalista e escritor Euclides da Cunha foi praticado pelo oficial do exército Dilermando de Assis, em legítima defesa à uma conduta que, por sua vez, constituiria, em tese, um homicídio passional, caso típico de legítima defesa da honra. Em resumo, tivemos uma legítima defesa de uma legítima defesa da honra.

Com efeito, Dilermando de Assis defendeu-se de uma agressão perpetrada contra si e contra seu irmão Dinorah de Assis, em sua própria casa.

Euclides da Cunha dirigiu-se ao bairro da Piedade no Rio de Janeiro, em um domingo quando soube que sua mulher Anna de Assis estava na casa de Dilermando. E, lá, exatamente na Estrada Real de Santa Cruz, ingressou na casa de arma em punho para procurar Dilermando. Ao encontrá-lo, acionou a arma por sete vezes, mas sucumbiu à maior perícia do oficial do exército, campeão de tiro, que atirou por seis vezes. Uma das balas de Euclides atingiu Dinorah pelas costas, provocando-lhe paralisia para o resto de seus dias. Esta agressão pôs fim à sua exitosa carreira futebolística. Era zagueiro do Botafogo Futebol de Regatas.

A pensão Monat, situada na cidade do Rio de Janeiro, foi o local onde se iniciou o trágico relacionamento entre o jovem oficial do exército, de 17 anos e a encantadora Saninha, Anna da Cunha, mulher de Euclides da Cunha, depois Anna de Assis, quando se tornou mulher de Dilermando de Assis e dezesseis anos mais velha.

Ambos passaram a encontrar-se em saraus literários e musicais na referida pensão. Lá moravam duas irmãs, tias de Dilermando, e amigas de Anna, Lúcia e Angélica Ratto, que viriam a ter papel crucial no desfecho da tragédia.

O afeto entre ambos foi crescendo e transformou-se em paixão avassaladora, quando passaram a residir no local.

Euclides da Cunha, com 37 anos, após a cobertura que fez para o jornal Estado de São Paulo da guerra de Canudos e de haver escrito a obra “Os Sertões”, passou a ser aclamado como grande jornalista e primoroso escritor, permanentemente preocupado com o Brasil e com seu povo.

… Ao nascer a criança, verificou-se não ser prematura como Anna queria fazer crer. A criança faleceu poucos dias após, parece que de inanição, pois Euclides, desconfiado, em razão de uma denúncia anônima, impedia a mulher de amamentar.

Coberto de fama e de respeito, Euclides, no entanto, passava por angustiantes dificuldades financeiras. Ele e Anna eram pais de três filhos, Solon, Quidinho e Manoel Afonso, e as dificuldades aumentavam à medida que a família foi crescendo. O casal perdera uma filha, falecida logo após o nascimento.

Engenheiro por formação, Euclides da Cunha, para tentar suprir as suas necessidades econômicas, aceitou fazer parte de uma missão à Amazônia para demarcar os limites do Brasil na região.

Permaneceu fora um ano. Neste período, Anna morou na pensão, para aonde Dilermando mudou-se. Posteriormente, alugaram uma casa situada na rua Humaitá. Lá permaneceram por algum tempo, com o filho de Anna Manoel Afonso. Os outros dois filhos foram internados em um colégio em São Paulo.

O oficial foi transferido para Porto Alegre, e Anna descobriu estar grávida. Com a chegada de Euclides, ela anunciou a gravidez, que, no entanto, já estava avançada em três meses. Ao nascer a criança, verificou-se não ser prematura como Anna queria fazer crer. A criança faleceu poucos dias após, parece que de inanição, pois Euclides, desconfiado, em razão de uma denúncia anônima, impedia a mulher de amamentar. Este filho foi registrado por Euclides como seu e recebeu o nome de Mauro, embora persistisse a sua dúvida quanto à paternidade.

Com a volta de Dilermando de Porto Alegre, o romance foi reiniciado e outra criança nasceu, batizada com o nome de Luiz Ribeiro de Assis.

… Euclides, que já era portador de notória neurastenia, sofreu grave desequilíbrio emocional, que o levou a cometer reiterados atos de insanidade. Dentre eles, destaca-se a sua insistência, em determinado dia, para que Anna bebesse uma porção de sangue…

“Uma espiga de milho em um cafezal”. Assim, Euclides da Cunha se referiu a esta criança de tez muito branca e cabelos loiros, tal como Dilermando. Esta sua isolada observação passou a fazer parte de um rol de fatos, que culminou com trágicos eventos, oriundos da infidelidade conjugal.

Apesar de sua insegurança, Euclides reaproximou-se de Anna e passaram a viver em aparente harmonia. No entanto, a união entre ambos que já se apresentava claudicante, em face dos fatos pretéritos foi definitivamente abalada com as desconfianças de Euclides, influenciado por constante falatório, e pela ação instigante e deletéria das irmãs Angélica e Rato.

O receio de estar sendo vítima de traição por parte de Anna, Euclides, que já era portador de notória neurastenia, sofreu grave desequilíbrio emocional, que o levou a cometer reiterados atos de insanidade. Dentre eles, destaca-se a sua insistência, em determinado dia, para que Anna bebesse uma porção de sangue, depositado em uma bacia, fruto de crises hemoptise, provocadas por uma tuberculose que o vitimava.

O temperamento irascível tornou a convivência insustentável para Anna. Por tal razão, foi passar uns tempos na fazenda do sogro, no interior de São Paulo. As irmãs Ratto, logo após, mudaram-se para a casa de Euclides, a pretexto de ajudá-lo com os filhos que haviam ficado. Ambas, mas especialmente Angélica, não pouparam esforços para emprenhar Euclides de suspeitas e de dúvidas, a ponto de uma delas afirmar, que a mulher traidora merecia a morte e que o marido deveria “cuspir-lhe na cara.” Típica “instigação ao homicídio”.

Em um domingo, quando soube que sua mulher não passara a noite em casa de sua mãe, como dissera que faria, e sim na casa de Dilermando, no bairro da Piedade, Euclides para lá se dirigiu. Antes, no entanto, passou em casa de um primo e pediu emprestado um revólver, sob a alegação de que um cão hidrófobo estava rondando a sua casa.

Entrou na residência e foi, aos berros, atrás de Dilermando que estava em seu quarto. Anna e um dos filhos esconderam-se e Sólon, filho mais velho do casal Cunha, que lá estava para tentar levar sua mãe de volta ao lar, assistiu parcialmente aos fatos. Os primeiros tiros atingiram Dilermando e seu irmão Dinorah.

Após receber dois tiros, Dilermando reagiu e o tiroteio acabou causando-lhe graves ferimentos e vitimando Euclides que não resistiu aos que lhe foram desferidos.

A história da tragédia da Piedade não se exauriu com a morte de Euclides. Aliás, ela não foi a única. Anos após, Dilermando de Assis foi atacado dentro do Fórum do Rio de Janeiro pelo filho de Euclides da Cunha, Quidinho, Euclides da Cunha Filho, que na troca de tiros veio a falecer.

Os processos criminais instaurados, nos quais atuou como defensor o grande advogado Evaristo de Moraes, foram marcados por incidentes, e forte influência da mídia e da opinião público. No próximo escrito estes eventos serão narrados.

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*Antônio Claudio Mariz de Oliveira é advogado da Advocacia Mariz de Oliveira.

 

 

*** - FOTO ABERTURA: Euclides da Cunha (Foto: Cadernos de Fotografia Brasileira - Instituto Moreira Salles)

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