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Porta-voz que Temer procura já existe: é ele. Por Antonio Machado

Porta-voz que Temer procura já existe: é ele.

Por Antonio Machado

Com um plano crível e implantação, cessam-se os ruídos

Se o governo se vergar à pressão dos governadores, ao jogo duplo do Renan, preocupar-se com o que sai no Facebook, com Lula, com o Fora Temer, ai é que Temer estará fora

PUBLICADO ORIGINALMENTE EM CIDADE BIZZ, 24 DE SETEMBRO DE 2016

Missão indelegável

O noticiário político brasileiro não raramente precisa de tradução simultânea, segundo o jornalista Carlos Newton, veterano intérprete das línguas estranhas ouvidas em Brasília. A busca de um porta-voz, que consumiu o tempo do presidente Michel Temer até em sua viagem a Nova York, é uma dessas soluções sacadas para disfarçar problemas.

Não há estratégia de comunicação que funcione sem um plano claro e aceito pelo primeiro escalão, envolvendo o papel de cada ministro e dos presidentes de estatais tanto na formulação como na divulgação, que não, necessariamente, será feita só por eles. O presidente pode avocar o anúncio, deixando os detalhes ao auxiliar imediato.

Isso é função do estilo de cada um. Lula anunciava até previsão do tempo. Fernando Henrique se guardava aos grandes anúncios. Dilma… Bem, a ex-presidente nunca entendeu essas questões. É um risco que Temer deve evitar.

Ele e o seu governo já estão sob o escrutínio da opinião pública (cuja desconfiança está aguçada mais que o normal), dos mercados (ansiosos por provas contundentes de que a promessa de reformas fiscais será cumprida) e dos aliados no Congresso. A estes importam ações que ponham em segundo plano a pauta da Lava Jato.

A necessidade dos partidos, e falamos de todos, é um trunfo para o presidente, se souber usá-lo. Não será aprovando aumentos salariais de funcionários públicos que os políticos vão reconciliar-se com os eleitores, exceto os que representam os interesses das corporações.

Para mudar o disco que toca o funk da corrupção e do desemprego, só com expectativas de dias melhores. E logo, não quando Deus quiser.

Não há nada que impeça a retomada da economia em tempo mais rápido do que dizem os economistas, se o governo mantiver seu alinhamento com o Congresso e for firme com a agenda de reformas. Ela tem ponto de partida e é escalável. Começa com a indexação do gasto público à inflação do ano anterior (e ainda há tempo para fazer melhor, que é a referência na inflação oficial projetada, não na passada), segue com a fixação de idade mínima geral de aposentadoria e por ai vai.

Se tais reformas passarem com mínimos remendos, Temer se consagra. Se tergiversar, vergar-se à pressão dos governadores, ao jogo duplo do presidente do Senado, Renan Calheiros, preocupar-se com o que sai no Facebook, com Lula, com o Fora Temer, ai é que estará fora. O porta-voz que ele quer já existe: é ele mesmo. Fim de história.

Poder dos deslumbrados

O presidente foi levado a acreditar que precisaria de um tradutor do que o governo pensa e faz depois da série de bobagens anunciadas por ministros, como o do Trabalho, ao falar em jornada de 12 horas. O titular da Saúde, então, virou alvo de memes nas redes sociais – e parecia um deputado centrado quando relator da lei orçamentária.

O poder deslumbra os que o exercem. Essa é a origem dos problemas de Temer.

Tivesse dado diretrizes claras ao seu entorno e ninguém mandaria um ministro anunciar intenções só para testar a reação da opinião pública. Foi o caso das supostas mudanças na legislação trabalhista. O ministro Ronaldo Nogueira, do PTB, não se aventurou sozinho, merecendo um pito justo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, segundo o qual é “melhor falar pouco e produzir mais”.

Trapalhadas domésticas

Maia e os líderes de bancadas já haviam sido rifados com o anúncio de que a reforma da previdência iria ao Congresso este ano, quando estava acertado que a discussão começaria agora, mas a tramitação seria no primeiro semestre de 2017. Era também o que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, dissera a empresários. Quem desafinou?

Em tese, a grande proximidade entre Temer e o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, os têm levado a bater cabeça, resultando instruções desconexas aos ministros e entre eles e os líderes da base aliada num Congresso mais altivo do que nunca. Se já era assim com Dilma e mesmo com Lula, com Temer, deputado de origem, não seria diferente.

Desculpa para confusões

Um porta-voz, neste contexto, é só um jeito de se explicar aos que torcem o nariz para trapalhadas. É óbvio que num governo em que boa parte dos ministros é parlamentar de ofício, eles serão os próprios porta-vozes, não terceiros, para serem vistos pelos seus eleitores.

Idem o presidente, se a sociedade cobra certeza de que seu destino ameaçado por anos de desatino com a condução dos dinheiros públicos está entregue a mãos responsáveis e capazes. Missão é indelegável.

O que falta ao governo é um plano de ação e o mais difícil: a sua implantação. Só depois vem a comunicação, considerando a informação e as críticas, sobretudo nas redes sociais cada vez mais ubíquas. É o que se espera do governo. E mais: só anunciar o que tenha total certeza, evitando recuos e correções a posteriori. É pedir muito?

Bullying com Meirelles

A vida é dura, sabemos, mas daí exigir do ministro Meirelles que negue, sob pena de voltarmos ao tempo de Dilma, ter dito à agência Bloomberg, em Nova York, considerar “altamente provável” a queda da taxa Selic em dezembro vai um bocado de histerismo. Calma, gente!

Estranho seria o ex-chefe do BC durante oito anos se omitir sobre a questão mais crítica da economia depois do rombo fiscal. Ele não assegurou, cogitou. E, ao fazê-lo, expressou sua segurança de que a emenda constitucional do teto do gasto será aprovada já este ano.

Os analistas falam sobre juros pela ótica do investidor, não a da consistência macroeconômica. O ministro não advoga voluntarismos, mas sabe que a inflação em 12 meses apontando para 5,20% (último boletim Focus) põe a taxa real em 8,6% ao ano, um resultado mortal.

Ela será até maior se a PEC do Teto não passar, se os governadores continuarem evitando ações amargas, esperando ser ajudados. Riscos há. Mas só se Temer não chamá-los para o mesmo barco, como chamou o Congresso. Nosso drama fiscal não é órfão, é filho de todos nós.

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ANTONIO MACHADOÉ JORNALISTA

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