Mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa

Sempre gostei de mitos.
Culpa de Monteiro Lobato, que também gostava e fez questão de educar mais de
uma geração acerca deles. Mitos são importantes para a narrativa de uma nação
ou grupo de pessoas em busca de uma identidade, mas, a despeito da sua
importância (ou precisamente por conta dela), não é aconselhável comprá-los a
valor de face.
Digo isto porque estamos
em meio ao processo de criação de uma narrativa com todas as características de
mito sobre a condução da política monetária no país, que também não deve ser
tomada como verdade, ainda que sirva para acariciar os egos da diretoria do BC.
A narrativa pode ser
resumida da seguinte forma.
Em meados de 2011 o BC percebeu,
antes de todos, que o mundo passaria por forte desaceleração, com implicações
negativas para a atividade doméstica, mas que – no processo – traria a inflação
para baixo. Assim, para evitar o “erro de 2008”, tratou de mudar a mão da
política monetária, promovendo um corte vigoroso da taxa de juros.
Ao mesmo tempo, porém,
gestor responsável que é, o BC também procurou garantias que a política fiscal
– ao contrário do ocorrido em 2009 e 2010 – se manteria austera, abrindo espaço
para a queda sustentada da Selic. E, com base nestas garantias, reduziu a taxa
de juros de 12,50% a.a. para 7,25% a.a. entre julho de 2011 e outubro de 2012.
Ao final do ciclo, alertou ainda que “a
estabilidade das condições monetárias por um período suficientemente prolongado
é a estratégia mais adequada para garantir a convergência da inflação à meta,
ainda que de forma não linear
”.
A inflação, porém, não
convergiu à meta. Pelo contrário, mantém um semblante de queda apenas por conta
de intervenções governamentais nos preços, que irão nos custar ainda mais caro
do que hoje. A culpa, contudo, não é do BC, mas do governo, que abandonou o
compromisso com a austeridade fiscal, deixando o problema nas mãos do Copom,
que agora, ainda o gestor responsável, corre atrás de um prejuízo que não
causou.
É uma narrativa edificante.
Pena que não sobreviva aos fatos.
Sim, a política fiscal foi
(e ainda é!) expansionista, mas isto era visível pelo menos desde meados de
2012. O superávit primário, livre da contabilidade criativa, já vinha em queda
desde o primeiro trimestre daquele ano e o próprio cálculo do BC acerca do
“resultado estrutural do governo geral” reforçava esta percepção.
Apesar disto o BC
persistiu em sua política de redução de juros até outubro e manteve até janeiro
deste ano a referência à “estabilidade das condições monetárias”, muito embora
já em dezembro tivesse (finalmente!) notado que a política fiscal mudara de
“neutra” para “expansionista”.
Posto de outra forma, a
forte deterioração fiscal observada ao longo do ano passado não representou
para o BC, em momento algum, obstáculo ao afrouxamento da política monetária.
Invocá-la agora como motivo para a piora da inflação, ainda que seja verdade,
representa uma tentativa oportunista do BC evitar reconhecer sua
responsabilidade no processo.
A verdade é que o BC errou
e não foi pouco. Seu diagnóstico, muitas vezes repetido, que atribuía ao
ambiente externo um papel desinflacionário, revelou-se equivocado. Sua atuação
no mercado cambial, cedendo às pressões do Executivo para produzir um dólar
mais caro, acabou reforçando as pressões inflacionárias. Sua insistência em
ignorar as expectativas crescentes de inflação exacerbou o problema, pondo em
xeque a credibilidade conquistada com muito esforço em anos anteriores.

Agora o BC insiste em
falar grosso, como se o tom de voz pudesse reconquistar a credibilidade
perdida. Não pode. Mais do que discurso, o que se espera do BC é que mostre um
lampejo de independência e tome ações concretas para trazer a inflação de volta
à meta. Reconhecer seus erros ao invés de tentar salvar suas reputações
pessoais, seria um primeiro, e crucial, passo neste sentido.
Foi você mesmo…
(Publicado 21/Ago/2013)

33 thoughts on “Mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa

  1. Na época o BC falou num SAMBA com 25% da crise anterior;o clima era de juros civilizados(2% real); Dilma rule em lugar de Taylor rule; nova matriz;até Armínio disse que os BCs podem fazer experiência…Agora que a maré baixou estamos pelados;ou melhor: agora que a maré subiu nos EUA estamos nos afogando.

  2. O Mea Culpa do título é porque você trabalhou no Banco Central e também, de alguma forma, se sente responsável? Ou simplesmente o seu latim é tão ruim quanto seus conhecimentos de economia?

  3. Como sempre sua análise é impecável e sua narrativa prazerosa. Sou um leito assíduo tanto do Blog quanto de suas contribuições a outros veículos, mas nunca havia postado um comentário antes. Eu o faço agora pois queria externar uma súplica: da mesma forma que você acompanha o lado político, seria ótimo se comentasse a respeito das curvas de juros, prêmios nos títulos e outros pontos mais profundos que são úteis para quem acompanha n investimentos!Sei que seu objetivo aqui não é dar "calls" de compra ou venda, mas admiraria muito saber suas opiniões sobre quando os prêmios estão super ou sub avaliados.
    abs!

  4. "Ou simplesmente o seu latim é tão ruim quanto seus conhecimentos de economia?"

    Nahhhh, meu conhecimento de economia é ainda pior que meu latim.

    No que eu sou realmente bom é em identificar cretinos que não conseguem entender que o título se refere à postura que o BC deveria adotar.

  5. Dilma colocou em prática sua baboseira Keynesiana aprendida na Unicamp. Deu a merda que deu. Isso deve frustrar demais seus coleguinhas… E a besta do Belluzzo, que nao consegue administrar um time de futebol, insiste que o problema é o câmbio. Vamos ver se agora vai melhorar, com o câmbio desvalorizado…

  6. Alex,
    você não acha que somos muito ingênuos em achar que o Mantega e cia são apenas imbecis? Teorias de conspiração a parte, mas me parece cada vez mais óbvio que os petralhas fazem isso de caso pensado. eles querem ver o circo pegar fogo. O famosos:quanto pior, melhor!

  7. é muita ingenuidade achar q os adidos da revolução estão errando… é isso mesmo que eles querem, quanto pior: melhor. e salve a revolução bolivariana na selva brasilis!

  8. Não há razão que justifique qualquer benefício da desvalorização cambial sobre a atividade econômica, sobretudo no Brasil. Historicamente o câmbio foi utilizado como variável que ajustava a falta de competitividade de uma industria protegida e de empresários preguiçosos. Já sabemos que no fim teremos consumidores prejudicados e salários achatados. De resto é teomosia (burrice) dos quermesseiros.

  9. Touché! Parfait, comme d'habitude.

    Merci pela estrondosa gargalhada proporcionada pela resposta ao bufão que errou de picadeiro. :O)))

  10. "BCB está errado porque manteve a inflação (e as expectativas) em 5,5% e não em 4,5%?"

    5,5%? No planeta Terra, o último número é 6,15% (IPCA15 divulgado hoje).

    De qualquer forma, não.

    Está errado porque não acerta a meta há 4 anos e porque vai passar mais 2 anos, pelos menos, acima dela.

    E está errado porque disse que atingiria a meta graças ao cenário desinflacionário externo, que, até agora, não deu as caras.

    E está errado porque peitou o mercado dizendo que sabia mais; e o que se viu é exatamente o contrário.

    Mas pode chorar. Se eu fosse como você provavelmente choraria todo dia…

  11. Jamais acreditei em uma só palavra desses pesudos-economistas oficiais, incluindo o gordo do BC. Há figuras dentro do governo que não seriam contratadas nem para a limpeza.
    A idiotice ideológica está a contaminar a economia e só uma piora mais consistente tira essa turma do do buraco.

  12. E está errado porque teto da meta é para ser usado – talvez – em um momento como esse para acomodar o choque cambial em curso. Como já foi usado e ultrapassado(desonerações,gasolina….)estamos pelados(ou afogados).

  13. Não compro a idéia de quanto pior melhor não. Acredito que está em curso tudo que sempre foi transmitido dentro do partido como saber econômico. É só ler os sábios petistas. Tudo isso já era esperado, mas deveríamos estar crescendo a 4% com a inflação que fosse (4,8% ou 8,4% tanto faz!) na fórmula mágica deles. A sabedoria acumulada não vale nada pra esse bando de saudosistas da guerra fria e da industrialização concentradora de renda. Se piorar vão substituir Bresser por Zizec. Se as urnas não berrarem por mudanças, daqui há 4 anos estaremos afundados.

  14. O Bráulio no Valor passa a mão na cabeça do Tombini e do Mantega. "Ás coisas às vezes dão errado mesmo fazendo a coisa certa. E vice versa."
    Duas perguntas: com abertura de algum hiato no produto e com o emprego no high o BC/Fazenda deveria afrouxar? O BC deveria reagir, subindo os juros, aos choques "agrícola+cambio+combustível" por conta do mercado de trabalho apertado e indexação ou pelo IPCA puro e simples?
    Grato

  15. Alexandre,

    Você é radical demais.

    Embora esteja no estatuto do BCB que seu objetivo é manter a inflação na meta, na prática vigora o pragmatismo.

    Desde 2011 seria necessário mesmo manter a inflação em 4,5%? Com a economia do jeito que está?

    Discordo de você. Não acho que o BCB errou. E acho que você adiciona um discurso dramático para uma situação que não assim tão grave.

    Abs

    Julio

  16. Quando vejo alguns renitentes argumentando na linha do Julio acima, lembro-me sempre, por algum motivo, da citação do Churchill…

    “You have been given the choice between war and dishonor. You have chosen dishonor, and you will have war!”

  17. O Braulio diz que a inflação no 1°semestre de 2012 veio de 7% para 5% por conta de um hiato levemente desinflacionário. Em tal cenário, Tombini e Mantega entraram em campo corretamente. Porém, choques jogaram a inflação de novo em 7% no início de 2013. Será que os analistas são severos demais com a dupla?

  18. Sobre a “meta de inflação”.

    O que escreveu Alex há algum tempo atrás, a meu ver, corretamente distinguindo meta e banda:
    “controlar a inflação não significa mantê-la o tempo inteiro no valor exato da meta, mas, sim, flutuando ao redor desta, de modo que, ao longo de vários anos, a inflação fique, em média, na meta. Assim sendo, inflação sob controle corresponde ao cenário no qual as expectativas igualam o valor da meta, refletindo a crença de que eventuais desvios serão prontamente corrigidos”.

    O que diz o decreto que estabelece a sistemática de “metas para a inflação”, a meu ver, confundindo meta e banda e dando guarida ao discurso desse governo de empulhadores:
    DECRETO No 3.088, DE 21 DE JUNHO DE 1999.
    Estabelece a sistemática de "metas para a inflação" como diretriz para fixação do regime de política monetária e dá outras providências.
    O PRESIDENTE DA REPUBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, inciso IV, da constituição, e tendo em vista o disposto no art. 4o da Lei no 4.595, de 31 de dezembro de 1964, e no art. 14, inciso IX, alínea "a", da Lei no 9.649, de 27 de maio de 1998, DECRETA:
    … Art. 4o Considera-se que a meta foi cumprida quando a variação acumulada da inflação – medida pelo índice de preços referido no artigo anterior, relativa ao período de janeiro a dezembro de cada ano calendário – situar-se na faixa do seu respectivo intervalo de tolerância. …
    Brasília, 21 de junho de 1999; 178o da Independência e 111o da República.
    FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
    Pedro Malan
    Tremenda furada não?

  19. Selic em tendencia de alta, TR o mesmo, dólar tbm.

    Nunca antes neste país o nosso futuro foi tão claro.

    Agora me respondam:
    Se vcs fossem (e muitos aqui são) empresário o q vc faria?
    Investir ou recuar?

    claro como água

  20. Queria saber dos seus comentarios sobre o texto do Braulio no Valor de hoje. Ele tem uma visao bastante diferente da sua sobre o processo inflacionario e quais acoes tomar.
    abs,

    Andre

  21. "Se vcs fossem (e muitos aqui são) empresário o q vc faria?
    Investir ou recuar?"
    Investir num lobista dos bons para garantir o market share. Daqui para frente as margens vão voltar a crescer.
    Dantas

  22. Em maio desse ano o Bacha fez sucesso na imprensa com um plano de reindustrializar o país com ajuste fiscal+ redução de tarifas+ dólar a 2,40,nessa ordem(plano real da indústria). Ah, os economistas e a pretensão do conhecimento. E ainda foi debater isso com o chinês Belluzzo.

  23. Não dará nada certo enquanto não entenderem que há necessidade de um ajuste forte, tipo dar um cavalo de pau na economia.
    E arrrumar um jeito de alertar a população que acreditou na potência emergente, líder do Brics e coisa que o valha e que dava "aulas" na Europa dizendo que "o Brasil saiu da crise crecendo…"
    Ou faz ajuste agora ou o ajuste será feito sem o controle deles.
    É disso que se trata.

  24. Situar a inflação em torno do centro da meta não significa aceitar que o IPCA possa situar-se no topo do intervalo e isso ser considerado meta atingida.
    O que o BC deve pereguir é do centro da meta para baixo e não para cima.
    Se for assim, a meta será sempre atingida.
    Pode ser até esperto, mas será errado.

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