Entre a irrelevância e o equívoco

“É incorreto afirmar que
a Terra não gira em torno do Sol. Há dados concretos que desmentem as análises
mais pessimistas. A informação parcial confunde a opinião pública e visa criar
um ambiente de pessimismo que não
interessa a nenhum de nós”. Admito que o exemplo soe um tanto extremo, mas, se ouvisse
algo assim, minha reação, um tanto perplexa, seria “Ok, concordo, mas por que
mesmo você está me dizendo isto”?
Foi assim que me senti
quando a presidente, em discurso ao Conselho
de Desenvolvimento Econômico e Social
, o popular “Conselhão”, um dos
grandes monumentos nacionais ao desperdício de tempo e dinheiro, afirmou que a
inflação estava controlada porque desaceleraria na segunda metade de 2013. Apenas
se esqueceu de mencionar que não há quem tenha afirmado o contrário (basta
checar o que vem dizendo a pesquisa Focus), assim como ninguém acredita
que a Terra não gire ao redor do Sol. Neste aspecto, a declaração presidencial
é de uma irrelevância atroz.
Por outro lado,
reflete um equívoco persistente (e talvez intencional), associando o
cumprimento da meta ao registro da inflação abaixo de 6,5% em dezembro de um
ano qualquer. A meta, é sempre bom lembrar, ainda mais à luz de declarações
como essa, é 4,5%, não 6,5%.
Ocorre que a inflação
é uma variável não apenas caprichosa, mas que também reage de forma defasada às
decisões de política. Alterações em taxas de juros tipicamente afetam a
inflação cerca de seis trimestres à frente. Assim, ainda que o BC soubesse com
precisão qual taxa de juros seria consistente com a meta e tomasse as medidas
corretas para controlar a inflação, há todo tipo de eventos neste período
(safras agrícolas melhores ou piores, flutuação de preços de petróleo, etc.)
que poderiam afastar a inflação da meta.
Esta é a razão de ser
do intervalo: acomodar eventuais desvios resultantes de eventos imprevisíveis;
certamente não como justificativa para permitir que a inflação fique
persistentemente próxima ao teto.
Na verdade, se levarmos
em consideração tanto a questão das defasagens como a dificuldade de prever
certos choques, mesmo no caso de um BC 100% comprometido com sua tarefa
institucional, controlar a inflação não significa mantê-la o tempo inteiro no
valor exato da meta, mas sim flutuando ao redor desta, de modo que, ao longo de
vários anos, a inflação ficasse, em média, na meta.
Sob tais
circunstâncias, não é necessária muita reflexão para concluir que a melhor
aposta acerca da inflação futura passaria a ser a própria meta. O corolário de
inflação controlada, portanto, são expectativas iguais à meta, refletindo a
crença que eventuais desvios serão prontamente corrigidos.
De volta ao discurso
presidencial, é claro que o exposto acima não descreve de forma alguma o que
vem ocorrendo no país. Desde 2010 a inflação é (bastante) superior à meta (o
desvio médio por ano foi de 1,6%), e, pior, espera-se que continue acima dela nos
próximos anos: a inflação esperada entre 2014 e 2017 é, em média, 5,5% ao ano.
À luz destes
desenvolvimentos, o que se espera da responsável pela política econômica não é
a reafirmação do que já sabemos, mas sim o que será feito para trazer a
inflação para o valor prometido à nação pelo próprio governo.
Neste aspecto a fala
se encaixou bem no perfil do “Conselhão”: entre generalidades e a negação da
realidade (o gasto federal, supostamente controlado, está no nível mais alto da
história) nada foi dito que sinalizasse uma estratégia consistente para lidar
com a inflação alta e o crescimento baixo.

Pelo contrário, incapaz
de escapar das armadilhas ideológicas em que se meteu e pressionado pela queda
de popularidade, a tendência é de isolamento crescente, uma espécie de “autismo
econômico” em que a realidade tem que ser ignorada a todo custo. Serve para
produzir discursos para o “Conselhão”; jamais para resolver um problema de
verdade.
(Publicado 24/Jul/2013)

13 thoughts on “Entre a irrelevância e o equívoco

  1. Alex,

    Na atual política de hoje acredito que é puro marketing. A presidente nunca se dirigiu ao conselho, mas para aparecer na foto e na TV para os "súditos" dizendo que agora as coisas melhorar.

    Não fica bonito a presidente em uma reunião com os empresários brasileiros?

    Os membros do Conselho poderiam cobrar um cachê por aparecer de graça na propaganda do governo.

  2. Alex

    Sobre a razão dos intervalos, nunca li ou ouvi no jornalismo econômico algo escrito com tanta concisão e clareza.

    Vou imprimir um monte. Calculo que numa folha A4 em consigo reproduzir a passagem abaixo em até 4 vezes em TNR, corpo 12, espaço simples entre linhas. Portanto, 400/100p.

    Assim, sempre que ouvir coisas estranhas sobre inflação, sacarei do bolso esses impressos e os distribuirei.

    "Ocorre que a inflação é uma variável não apenas caprichosa, mas que também reage de forma defasada às decisões de política. Alterações em taxas de juros tipicamente afetam a inflação cerca de seis trimestres à frente. Assim, ainda que o BC soubesse com precisão qual taxa de juros seria consistente com a meta e tomasse as medidas corretas para controlar a inflação, há todo tipo de eventos neste período (safras agrícolas melhores ou piores, flutuação de preços de petróleo, etc.) que poderiam afastar a inflação da meta.

    Esta é a razão de ser do intervalo: acomodar eventuais desvios resultantes de eventos imprevisíveis; certamente não como justificativa para permitir que a inflação fique persistentemente próxima ao teto." (Alexandre Schwartsman, 27/07/2013)

    Abs.

  3. O modelo brasileiro é a Argentina dos Pinguins K.
    A única alternativa de isso não ocorrer, de virarmos uma Argentina amanhã, é apear o PT et caterva do poder.

    Décio

  4. O Oreiro agora assina artigo corporativista (Valor Econômico de hoje) de baixíssimo nível técnico, sem pé nem cabeça. O cara é muito fraco. Mas o pessoal publica…

  5. Um horror mesmo esse artigo do Oreiro. É com um cara da Fiesp e, logicamente, a receita dos dois para desenvolver a indústria é … fechar mais o mercado doméstico!

    Isso sem contar que uma das barbaridades é que a desindustrialização (cadê?) começou em meados dos anos 70 (como??? E o 2º PND??) e é causada pela apreciação cambial que se iniciou em … 1994!!! A desindustrialização começou 20 anos antes da apreciação cambial!!!

    Haja paciência.

  6. "1. É usual transformar em ln valores em percentual?

    Sim, a diferença de ln é uma aproximação à variação percentual;

    "2. O IPCA entre 1999:01-2010:03 tem valores negativos?

    A variação do IPCA, na frequência mensal, tem 3 registros negativos neste período (jun-03; jun-05 e jun-06 – dá para ver a sazonalidade?)

  7. Obrigado pelo retorno, mas acho que não fiz a pergunta correta ou não entendi a resposta. Seguinte: IPCA é em %. É usual, como pré tratamento, passar um LN no IPCA? Acho que não é correto.

    O artigo em questão passa LN no IPCA, mesmo esse apresentando valores negativos nas datas que você citou. Achei isso bizarro!

  8. Eu nao li o artigo, então nao sei bem o que fizeram. Tinha entendido que usaram o delta ln.

    Mas é possível usar o ln de 1+inflação: é uma aproximação da inflação.

  9. Alex,

    O estado do Maranhão acaba de emitir títulos lastreados pelo governo federal e em concorrência a eles.

    Vc poderia manifestar sua opinião a respeito de mais esse furo na política econômica e fiscal

    pode isso Alex?
    e a credibilidade do governo?

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