As Forças Armadas e a Constituição

As Forças Armadas e a Constituição. Por Manoel Gonçalves F. Filho

… evidentemente agiriam elas inconstitucionalmente se desobedecessem ao Presidente, como o fariam se descumprissem qualquer das demais normas da Constituição…

As Forças Armadas e a Constituição

Permito-me começar com um aviso. Nas poucas linhas deste escrito não vou discutir nada de profundo. Nem sequer a questão do poder moderador (que, aliás, não foi o fundamento invocado pelo movimento de 1964, como se pode ler do Preâmbulo do Ato Institucional de 9 de abril – o que convém seja feito, ao menos pelos advogados constitucionalistas). Vou apenas lembrar o que pertence ao “b a bá” do bacharel e ao alcance da compreensão de qualquer alfabetizado.

A Constituição é a lei suprema do país. Ela, portanto, deve ser rigorosamente cumprida. A nossa, em vigor, a de 1988, no art. 142, caput, fixa o estatuto básico das Forças Armadas. Nele, estas são postas “sob a autoridade suprema do Presidente da República” (certo ou errado isto lá está), como está que elas são “organizadas com base na hierarquia e na disciplina”.

Assim, sendo, evidentemente agiriam elas inconstitucionalmente se desobedecessem ao Presidente, como o fariam se descumprissem qualquer das demais normas da Constituição.

Disto logicamente decorre que elas atuam corretamente quando cumprem ordens do Presidente da República que não afrontam a Constituição. Não há motivo de surpresa, então, para elas terem feito o que se deu em 10 de agosto em Brasília. Não lhes cabe senão cumprir ordens que não colidam com a Constituição, porque esta desobediência seria inconstitucional. Ao fazê-lo, não estão apoiando a quem quer que seja, estão cumprindo a Constituição. Criticá-las por isto é injusto e até contraproducente.

Igualmente, não cabe às Forças Armadas afastar do poder o Presidente da República. Esta hipótese é estritamente regulada pela Constituição nos art. 86 da Constituição. Lá se pode ler que o seu afastamento temporário depende de decisão da Câmara dos Deputados, por “dois terços” desta Câmara – e nem se entre na regra sobre o seu “afastamento” definitivo.

Enquanto esse afastamento não ocorre, as Forças Armadas devem ao Presidente obediência, nos termos já apontadas. Incitá-las, mesmo veladamente, a que lhe desobedeçam é contrário à Constituição. Quando os chefes militares declaram – e quantas vezes já o fizeram – que vão cumprir a Constituição, obviamente estão declarando que obedecerão ao Presidente (nos limites que já apontei).

Os descontentes com uma situação política devem dirigir-se a quem tem o poder de corrigi-lo. Estão pregando “golpe” quando sugerem o contrário.

Talvez o façam se sabem aritmética. O afastamento reclama dois terços (66,6%) da Câmara dos Deputados, a “não aprovação”, ou mais precisamente a aprovação de uma PEC exige menos do que isto – exige “três quintos” (60%) dos votos.

Ora, a derrota “política” da rejeição do voto auditável o foi com maioria de votos a seu favor, embora não alcançasse os três quintos necessários para ser aprovada e mudar a Constituição. Evidentemente está muito acima do necessário para manter quem está no poder, salvo “golpe”. E ninguém quer “golpe”.

A paixão política tem de respeitar a Constituição. Esta é uma das exigências da democracia.

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Manoel Gonçalves Ferreira Filho –  Professor Emérito de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

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