JK - JUSCELINO KUBITSCHECK

JK, acidente ou assassinato? Por José Paulo Cavalcanti Filho

… Era domingo e JK voltava, para casa, mais tarde que gostaria. No começo da noite. Já quase escuro. As colisões ocorreram numa reta próxima de Resende (Rio). Com o Opala de JK e o Ônibus da Viação Cometa (com quem se chocaria, inicialmente) indo na direção São Paulo/Rio de Janeiro. Enquanto na outra pista, em direção contrária, Rio de Janeiro/São Paulo…

JK - JUSCELINO KUBITSCHECK

 OS JORNAIS continuam a especular sobre o que realmente aconteceu. Começo por dizer que, em menos de um mês, faleceram os ex-presidentes Juscelino Kubitschek (22/8/1976, domingo passado mais um aniversário dessa data) e João Goulart (6/9/1976, em Mercedes, Argentina). Pouco depois, Carlos Lacerda (21/5/1977, no Rio). Os 3 principais líderes políticos de oposição à Ditadura. E a ideia de que tenham sido assassinados por agentes do Governo Militar se alastrou, no imaginário coletivo. Mas o que aconteceu de fato?, eis a questão.

Com relação a Lacerda, sua família sempre acreditou que a morte se deu por problemas de saúde. Um câncer que o roeu, sem piedade, por anos. E nunca teve interesse em maiores investigações. Para ela, ninguém perderia tempo com um quase cadáver. O caso de Jango ainda está sob exame – com fragmentos de seus ossos, hoje, em laboratórios especializados de Portugal e Espanha. Para identificar a presença (ou não) de cianureto. Confirmando (ou não) a tese de que teria sido envenenado. Sem muitas esperanças de que algo seja encontrado. O terceiro é JK. No momento de sua morte, para o povo brasileiro, a mais nítida esperança de voltar à democracia numa eleição direta.

A Comissão Nacional da Verdade examinou, com extremo cuidado, todas as implicações do caso. E apresentou Laudo, em 22/4/2014, com 139 páginas. Firmado por 5 renomados peritos que trabalharam, nele, desde 2012. Examinando 23 perícias e afins, já antes realizadas. Mais 298 negativos de fotos referentes a imagens do caso. E fazendo novos exames. Acompanhei esse caso, atentamente, por uma razão íntima. A de ser ele padrinho, de Maria Lectícia e meu. E o fato de muito gostar dele, como pessoa.  Segue-se uma tentativa de resumir esse Laudo em linguagem mais facilmente compreensível pelo grande público.

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  1. RODOVIA PRES. DUTRA, quilômetro 165. Era domingo e JK voltava, para casa, mais tarde que gostaria. No começo da noite. Já quase escuro. As colisões ocorreram numa reta próxima de Resende (Rio). Com o Opala de JK e o Ônibus da Viação Cometa (com quem se chocaria, inicialmente) indo na direção São Paulo/Rio de Janeiro. Enquanto na outra pista, em direção contrária, Rio de Janeiro/São Paulo, vinha um caminhão SCANIA carregado com 30 toneladas de gesso. Foi ele o responsável pelas mortes de JK e seu motorista Geraldo Ribeiro. Era plana, gramada e sem guard-rails, a separação entre as duas pistas. E também planos os acostamentos e as áreas adjacentes (mais de um quilômetro), em ambos os lados. Certo que, fosse mesmo um atentado, e certamente o local escolhido seria outro. Provavelmente uma curva, junto a precipício. Em que o carro, fora de seu trajeto regular na estrada, ofereceria um concreto risco de morte.

 

  1. ABALROAMENTO. Para quem planeja um atentado, último veículo do mundo que se utilizaria para provocá-lo seria um ônibus. Lento. E cheio de passageiros (40), testemunhas da tragédia.  Bem mais eficiente seria um carro sem placa. De vidros escuros. E rápido. Valendo lembrar que o ônibus estava em velocidade menor que a do Opala. E na sua trajetória normal. A batida entre esse ônibus e o Opala, em que estava JK, se deu com seu veículo invadindo a faixa da esquerda, por onde trafegava o ônibus. Talvez, um cochilo do motorista. No chão ficaram marcas dos pneus, como prova. Sem registro de nenhuma outra. Basta ver as fotos. E a versão de que o carro de JK teria sido tocado por outro veículo não se sustenta. Dado que únicas marcas de abalroamento, no Opala, são rigorosamente coincidentes com as que ficaram no ônibus.

 

  1. TRAJETÓRIA DEPOIS DO ABALROAMENTO COM O ÔNIBUS. O Opala, dirigido pelo motorista Geraldo Ribeiro, se desgovernou com esse primeiro abalroamento. Ultrapassou o canteiro central. E se dirigia para o acostamento da pista contrária. Dali, numa situação normal, seguiria, em frente pelo acostamento. E, caso continuasse nessa trajetória, entraria em uma área plana e de mato baixo. Que causaria danos de pouca monta, para o veículo. Alguma pedra que arranhasse a lataria ou um pneu furado, no máximo.

Segundo o Laudo, entre o abalroamento e o choque com a carreta Scania, se passaram 2 segundos. Ou cerca de 45 metros. Os peritos sabem que o tempo médio de reação humana, em casos de acidente, é cerca de 1,5 segundos. E o que ocorreu?, então. Provavelmente deu-se que o motorista do Opala, passado o breve instante de torpor com o abalroamento no ônibus, terá reagido virando à direita. Para impedir que o veículo fosse além do acostamento. Como se quisesse evitar danos (caso seguisse em frente) ao veículo. E no desejo de retomar sua viagem, normalmente. Passaria à esquerda do caminhão, pelo acostamento, e voltaria depois à pista. Era o que desejava. Só que por azar, muito azar, não conseguiu realizar essa operação. Chocando-se, a parte frontal direita de seu Opala, com a parte frontal direita da carreta Scania, que vinha em sentido contrário, sendo então  arrastado por 30 metros. Com um pouco de sorte não se tocariam, os dois veículos. Como dizia Saint-Exupéry (Citadella), “A ocasião que falta é aquela que conta”.

 

  1. OUTRAS HIPÓTESES. A versão de que o Opala foi vítima de bomba, posta no veículo e disparada à distância, também não é crível. Por não haver qualquer resíduo de plástico ou pólvora, no chão da estrada ou no veículo. Como se daria, caso tivesse havido mesmo uma explosão. Igualmente, a versão de um tiro de precisão na cabeça do motorista de JK não se sustenta. Primeiro, porque o crânio de Geraldo Ribeiro, segundo se vê nas fotos da época (apresentadas no Laudo), não tinha qualquer lesão. Muito menos por furo de bala. Segundo porque, caso tivesse o motorista sido atingido por uma bala no crânio, e jamais poderia, logo após o abalroamento com o ônibus, ter alterado a trajetória do veículo em que estava, dobrando à direta. Como fez. Com lucidez. Ainda pensando em escapar ao acidente sem maiores consequências.

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  1. BALA. Num dos últimos exames, foi localizado instrumento de metal dentro do crânio do motorista de JK. Uma bala!, para muitos. Prova do assassinato! Esse objeto acabou encontrado em uma fenda larga, nesse crânio, medindo cerca de 10 centímetros. Com bordas claras – prova de ter sido fratura posterior, no tempo. Até porque todas as fotos, que constam das primeiras perícias, revelam um crânio intacto. E fraturas similares se dão depois do óbito, ao passar do tempo, com frequência. Dada a fragilidade dos ossos em decomposição. Já o metal do referido instrumento não era um composto de liga de chumbo, próprio dos projéteis de bala. Mas ferro doce. O mais simples e mais barato. Tendo, aquele objeto, diâmetro muitas vezes menor que o de um projétil de revólver 38 (dado se afastar pudesse vir a ser usado calibre menor, num atentado). Sem contar que, nesse caso, e seriam provavelmente projéteis 44 ou 45. Ou ainda maiores. As fotos desse objeto, comparadas com um projétil 38 (ou 44, ou 45), não permite dúvidas. Provando o Laudo se tratar, na verdade, apenas de um cravo – exatamente similar aos usados para pregar a seda, normalmente de segunda categoria, que fica por dentro da madeira dos caixões funerários. Rigorosamente igual aos cravos que prendiam aquela seda no caixão em que foi enterrado seu motorista.

 

  1. RESUMO. Não há dúvida, pois, de que se tratou mesmo de um acidente automobilístico (quem tiver maior interesse no caso basta acessar, pela internet, o site da Comissão, com a íntegra do Laudo e seus anexos). Não assassinato, só acidente. Cabendo, ainda, uma última palavra. Para dizer que a história tem suas tramas. Seus desígnios. E seus mistérios. Porque o Regime Militar certamente ficaria feliz em ver morto JK. Um risco a menos. Mas é como se o destino, esse “Deus sem nome” como queria Pessoa (cartaa Henry More), tivesse agido antes.

Essa é a verdade.


José Paulo Cavalcanti FilhoÉ advogado e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade. Vive no Recife.

jp@jpc.com.br

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