flor de pedra

Fragilidade existencial. Por Aylê-Salassiê Quintão

Pedagogia da informalidade – a título de romper tabus

Esta semana a agenda política prevê a continuidade da discussão do orçamento para 2021, acrescida da pendenga dos precatórios, dos embates da reforma administrativa, dos debates sobre a nova lei eleitoral, da flexibilização da imobilidade pandêmica e da questão do marco temporal para as terras indígenas que continua em pauta. Por incrível que pareça, Renan Calheiros, relator da CPI do Covid, tem suas velhas e cabulosas conexões emergindo nas agressões pontuais entre senadores.

Mas, o que inspira este texto não tem nada a ver com isso. É a bela reportagem publicada domingo, em um jornal de São Paulo, intitulada “Flor de Pedra”, escrita pela jornalista Laura Matos, numa entrevista com a suicidologista Karina Okajima Fukumitsu, pós-doutorada na USP, a título de romper tabus.

Assim, como a problemática da discriminação étnica, sexual e social no Brasil, a descriminalização da maconha, a violência contra a mulher, o bullying nas escolas e outros temas que os pudores e as religiosidades não permitem circular de maneira ampla, a mídia, por critérios próprios dos editores, há tempos tem levantado e alimentado questões de gênero delicadas, de tal forma que terminou por fazer surgir organizações do tipo LGBT, sigla que vai se expandindo, ao incorporar  na sua agenda outros tipos de tratamento dado às minorias.

Temos problemas sociais, de fato, graves, para além daquela pauta diária gestada coniventemente entre mídia e a política, que tira a atenção da sociedade de problemas e estereótipos que se acumulam, sem solução, aos longo dos anos; e  outros , colocados por falsos ativistas vanguardeiros (essas novelas vulgares), como o filho in vitro , a chamada “barriga de aluguel” e até o incesto, em nome dos índices de audiência, que repercutem na sociedade, como uma agressão.

 Pedagogicamente falando, gosto da expressão “You raise me up!” (você eleva minha autoestima). Como jornalista, sou daqueles que acredita que a mídia tem um papel pedagógico informal, com conteúdo e validade superiores aos da própria educação formal. É quase impossível quantificar o volume de informações cotidianas – notícias, reportagens, análises – publicadas nos jornais, revistas e pela mídia eletrônica – em tempo real, ou quase, que dão amparo amplo ao conhecimento  do mundo e ao debate público de questões pontuais e delicadas, às vezes levadas para dentro do processo educacional nas escolas, como “politicamente correto”, seja, de maneira imprópria e irresponsável, na tentativa de vulgarizar  as relações entre crianças e adolescentes, em fase de formação da personalidade.

A reportagem da Laura coloca no cardápio de discussão social uma questão que, no caso da entrevistada, tem raízes pessoais, e que, de uma maneira geral não afeta os brasileiros, “até mesmo” por desconhecimento da solução: o suicídio, condenado pelas religiões. Embora seja contrário ao livre debate sobre o assunto – assisti dentro da minha própria família dois desses casos – mas, a repetição permite inferir que se trata de algo do campo da saúde mental, e não propriamente da sociologia ou da comunicação.

Você eleva minha autoestima. Acredito que a mídia tem uma papel pedagógico, ao colocar em pauta certos temas, por exemplo, a difusão e a compreensão das novas tecnologias, de ideias novas no setor produtivo, da explicação sobre males comuns que afetam a saúde dos cidadãos. A maioria das pessoas está aprendendo, na mídia, sobre a revolução e as atitudes do talibãs, bem como já dando materialidade à existência de um país, Afeganistão, que parecia só existir em aventuras imaginárias. Outras questões, como as eleições na Alemanha, praticamente só a mídia, com sua linguagem corriqueira, conduz à compreensão social, sobretudo por causa dos baixos níveis internos de leitura.

Os tabus e estereótipos com os quais convive a sociedade brasileira só mesmo a mídia, fazendo provocações pedagógicas, e não demonizadoras ou ideologizadas. Já desenvolvi hipóteses de trabalho sobre a “Uma agenda positiva”. Embora vários chefes de Estado, sufocados na governabilidade, tenham aventado a possibilidade de fazer dela uso, confesso que a configuração que dei à “agenda positiva” carece de alguns fundamentos conceituais mais consistentes para ganhar um perfil definitivo.

Parabenizo a Laura pela matéria jornalística, mas, acredito que a discussão desse tipo de solução abordado parece mais uma questão doentia pessoal. Delicada a sua emulação nesse momento de angústia da população com os efeitos do Covid. Não vejo como positivo socialmente, nem pedagogicamente oportuno. Não é culpa da Laura, eu mesmo me sentiria tentado a fazê-la. Parece mais uma desatenção – não quero crer em oportunismo jornalístico – dos editores. O tema me parece inoportuno. Coloca para as pessoas o dilema de morrer pela pandemia ou de tirar a própria vida antes de por ela ser afetado. É como estar em um prédio tomado por um incêndio, sem qualquer esperança de sair ileso. Mas, enquanto há vida, há jeito, pondera Karina Okajima.

A mídia tem a responsabilidade de reportar e educar os vivos para a vida.

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Aylê-Salassié F. QuintãoJornalista, professor, doutor em História Cultural. Vive em Brasília

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