escravidão

Escravidão, melanina e jabuticaba. Por Meraldo Zisman


Apesar de a jabuticaba não ser exclusiva do Brasil, encontrada que foi na Argentina e no México, ultimamente essa fruta passou a ser o símbolo das nossas peculiaridades. Esse significado da jabuticaba foi evocado por vez primeira pelo economista Pérsio Arida, um dos pais do Plano Real, que mencionou a jabuticaba, fruta da família vegetal das mirtáceas (Myrciaria jaboticaba), para definir coisas que só existem/acontecem/ocorrem no Brasil. A nossa formação pode ter sido até diferente dos outros povos, mas a NAÇÃO BRASILEIRA sempre foi constituída com muita luta e muito sofrimento.
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O fim da escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, assim como sucedeu com outras instituições sociais. Não cito alguns aparelhos senão por se ligarem a certos ofícios. Um deles era o ferro no pescoço; outro, era o ferro no pé; e havia, também, a máscara de folha-de-flandres. Essa máscara fazia com que os escravos perdessem o vício da embriaguez, por lhes tapar a boca. Tinha só três orifícios: dois para se poder enxergar, e um para respirar, trancada atrás da cabeça por um cadeado. Extinto o vício do alcoolismo, os escravos perdiam inclusive a tentação dos furtos porque antes, necessitavam dos vinténs dos senhores para “matar a sede”. Assim sendo, extinguiam-se dois pecados em simultâneo, restabelecendo-se a sobriedade e a honestidade. É bem verdade que a tal máscara era grotesca, mas, sem o grotesco e, alguma vez, o cruel, a ordem social e humana nem sempre foi alcançada. Os funileiros tinham-nas penduradas, prontas para a venda, na porta de suas lojas.

O notável Machado de Assis escreveu, na 3.ª pessoa, o conto Pai contra Mãe, publicado em 1906, no qual se refere à escravidão de maneira impressionante e brutal. Recentemente e pela primeira vez na História do Censo, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registrou que a população brasileira deixou de ser predominantemente branca. Mediante os dados obtidos em 2010, o último Censo realizado, apenas 47,73% da população do Brasil se declara ser de cor branca, ao passo que, em Censos anteriores, o percentual era da ordem de 53,74%. Em 2010, de um total de 190.749.191 pessoas, 91.051.646 declararam ser brancas, o que remete a um avanço do psicossocial (palavra que envolve, conjuntamente, aspectos psicológicos e sociais, ou que estuda as relações sociais à luz da saúde mental — Dicionário Houaiss).

Neste sentido, quando um povo assume suas próprias ascendências e raízes, sem se envergonhar de suas origens, ele deixa de ser subdesenvolvido. Como psicoterapeuta, eu arrisco afirmar: uma pessoa é sadia, tão somente, quando permanece feliz do ponto de vista psicossomático, ou seja, por dentro de sua própria pele. Dessa forma, tudo leva a crer que só agora a população negra e parda, que procurou sempre “embranquecer” ou tendia a se declarar branca, começou a assumir sua verdadeira cor de pele, sem necessitar de disfarces ou máscaras para poder ocupar um lugar digno na sociedade brasileira. Isso todos sabem.

O que não entendo atualmente é a propaganda da UNICEF (Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas Para a Infância), órgão das Nações Unidas cujo objetivo é amenizar a Fome das crianças no mundo, veiculada em vários canais de televisão de nosso País, solicitando doações, como o fazem outras organizações assemelhadas. Na maior parte dessas propagandas, portadores de mais melanina são destacados e exibidos com as doenças da Fome Crônica das crianças. Permita-me lembrar ou relembrar ser a melanina (cada uma das diversas proteínas de cor marrom ou preta, encontrada como pigmento em vegetais e animais) a responsável pelos vários tons de pele da raça humana. Hoje, temos conhecimento de como ela é produzida e sua atuação no sistema tegumentar.

Porém, no passado, na época em que os europeus invadiram a África, a cor da pele dos habitantes locais gerava preconceito no povo branco europeu. Os brancos viam a cor da pele daquele povo como uma “sujeira biológica”.

Voltando às propagandas, a maioria das crianças apresentadas por essas organizações de caridade possuem mais pigmento melânico na pele negra ou preta e nunca aparece uma loirinha, a não ser como médica.  Será que a minoria branca dos brasileiros tem preconceito contra a minoria branca?

Perguntar não ofende. O que também não entendo é a tal da Escravidão Branda?  Em termos de preconceito racial, a maior jabuticaba é essa escravidão branda nacional. Costumo concordar com a seguinte assertiva cuja autoria desconheço: “o escravo se liberta, mas o senhor do escravo ­— nunca, jamais”.

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Meraldo Zisman Médico, psicoterapeuta. É um dos primeiros neonatologistas brasileiros. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Vive no Recife (PE). Imortal, pela Academia Recifense de Letras, da Cadeira de número 20, cujo patrono é o escritor Alvaro Ferraz.

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