O LONGO ADEUS

O longo adeus. Por Alexandre Schwartsman

 Houve melhora considerável em termos de geração de empregos nos últimos meses por força da imunização da população, que impulsiona o setor de serviços, maior empregador da economia. Ainda assim, a taxa de desemprego deve demorar para voltar ao patamar anterior à crise.

O LONGO ADEUS

PUBLICADO ORIGINALMENTE NA INFOMONEY, EDIÇÃO DE 6 DE OUTUBRO DE 2021

Como tive a oportunidade de escrever há dois meses, ao comentar as críticas do ministro Paulo Guedes ao IBGE, afora os equívocos relativos ao conteúdo da choramingada, havia também um erro de “timing”, pois já naquele momento os dados do instituto apontavam para uma melhora do desempenho do mercado de trabalho, confirmado agora pelos resultados observados em julho.

Muito embora a taxa de desemprego ainda permaneça elevada, ao redor de 13,5% descontadas as influências sazonais, houve aumento considerável do nível de emprego. A população ocupada, que passou os quatro primeiros meses do ano de lado, próxima a 86 milhões (contra 94 milhões em fevereiro de 2020), chegou em julho à casa dos 90 milhões, o nível mais alto desde março do ano passado.

Não é preciso muito para descobrir de onde veio este incremento. Perto de 2/3 do aumento da ocupação se materializou no setor de serviços, englobando atividades como comércio, alimentação e hospedagem, transporte, e serviços domésticos, dentre outros. Tal recuperação, argumento, está intimamente ligada à aceleração da imunização no país.

Há, como se vê abaixo à esquerda, aumento expressivo da vacinação a partir de março, medida como proporção da população. O resultado, ilustrado pelo gráfico à direita, é o crescimento da população imunizada (no caso contando apenas a primeira dose da vacina; a proporção plenamente imunizada ao final de setembro se achava pouco acima de 40%).

Fonte: Our World in Data

Como o setor de serviços depende muito da interação social, sofreu consideravelmente mais do que as atividades ligadas à produção e comercialização de bens. A produção da indústria de transformação, por exemplo, retomou níveis pré-crise já no terceiro trimestre do ano passado, assim como as vendas ao varejo, mas estagnada desde então.

Naquele momento, contudo, as estimativas relativas ao setor de serviços como um todo sugeriam que ainda se encontrava uns 12% abaixo do observado em fevereiro de 2020. Especificamente no que se refere aos serviços prestados a famílias (principalmente hospedagem e alimentação), mais sujeitos aos problemas de distanciamento social, a diferença era ainda maior, cerca de 40% inferior ao registrado imediatamente antes da eclosão de epidemia em território nacional.

No período pré-pandemia serviços representavam 55% da ocupação no país; em julho último, mesmo com a recuperação, apenas 51% do emprego total. Podemos apenas imaginar como teria sido o desempenho do mercado de trabalho se a vacinação tivesse começado a sério um par de meses antes do ocorrido.

O ganho de emprego, contudo, não se traduziu integralmente em queda do desemprego porque a normalização gradual das condições sanitárias induziu também à maior oferta de trabalhadores. A taxa de participação, isto é, a proporção da população em idade de trabalhar tanto ocupada como em busca de emprego, saltou de menos de 57% em abril para pouco mais de 58% em julho.

A diferença, 1,3 ponto percentual, pode não parecer elevada, mas, como a população em idade de trabalho se encontra ao redor de 177 milhões de pessoas, falamos de um contingente de aproximadamente 2,3 milhões de pessoas que voltaram ao mercado nos últimos meses. Note-se que, antes da crise, a taxa de participação oscilava ao redor de 61,5%, ou seja, ainda há quase 6 milhões de pessoas que podem retornar à força de trabalho, embora não saibamos ao certo quando (ou mesmo se!) isto irá ocorrer.

Por força disto, a taxa de desemprego, embora em queda, deve demorar para retomar o patamar que vigorava no começo de 2020, perto de 11,5%. Da mesma forma que a queda da taxa de participação (ou seja, redução da oferta de trabalho) colaborou para impedir que o desemprego se elevasse tanto, sua reversão deve agora contribuir para manter o desemprego acima daquele nível não só ao longo deste ano, mas provavelmente em boa parte de 2022.

Por fim, a retomada do emprego deve ajudar a recuperação da renda, mas isto dependerá também da redução da inflação, que tem corroído o valor dos salários. Antes da crise, entre 50 e 60% das atividades pesquisadas pelo IBGE tipicamente registravam aumento de salários reais a cada mês; nos últimos 12 meses esta proporção caiu para 30%. Vale dizer, a redução do salário real não se deve apenas ao efeito de composição da ocupação, isto é, mais gente contratada em atividades que pagam menos, mas também à queda dentro de cada categoria, que pode ser em larga medida atribuída à inflação.

Resumindo, há sinais de melhora no mercado de trabalho, muito provavelmente em resposta à vacinação, que induziu maior consumo de serviços, atividades em geral intensivas em trabalho. Restam, contudo, desafios a serem superados: o retorno dos que se afastaram do mercado de trabalho e a queda do salário real por conta da inflação. A normalização deste mercado é uma tarefa que ainda demandará pelo menos mais um ano, tendo em vista as perspectivas de baixo crescimento em 2022.

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* ALEXANDRE SCHWARTSMANDOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS

@alexschwartsman
aschwartsman@gmail.com

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