A ESCOLHA DA DATA

A escolha da data. Por José Horta Manzano

escolha da data

Em outras ocasiões já devo ter falado da birra que tenho contra essa moda de acrescentar um zero à esquerda dos algarismos. (Para quem já se esqueceu, lembro que algarismo é o que hoje convém chamar de dígito.)

Acho muita graça quando leio (ou até ouço) “dia 01”, “guichê 03”, “elevador n° 02”. Tem gente que, obedecendo à curiosa mania, leva o costume para dentro de casa e acaba numerando membros da família, fala em “filho 01”, “filho 02” e por aí vai. A mim, parece um bocado simplório.

Até algumas décadas atrás, todo o mundo, rico ou pobre, costumava ter apelido. Lembro que todos os irmãos de minha avó (eram 12, fora ela) tinham apelido. Parecia até obrigatório. No entanto, gente numerada dentro da família, confesso que nunca tinha visto antes da chegada do clã que dá as cartas no Planalto.

Adivinho qual possa ter sido a origem do modismo de acrescentar um zero à esquerda de números pequenos. No tempo em que o cheque era um meio chique de pagamento – usado somente em ocasiões especiais, quando o montante era considerável –, o cidadão que o emitia procurava se precaver contra falsificações que pudessem aumentar o valor do documento.

Assim, no campo onde a quantia aparecia por extenso, usava-se grafar “hum mil cruzeiros”, por exemplo. Ou então, punha-se um traço horizontal grudado ao início da quantia. Assim: “–––––Quatrocentos milréis”. Já no campo onde aparecia o montante em cifra, alguns introduziam um zero entre o traço horizontal e o valor. Assim, para quatrocentos milréis, ficava: “––––0400$000”. Se alguém tiver explicação melhor para a origem do modismo atual, mande cartinha para a Redação.

Escolher data de morte é difícil. A gente pode até ter um forte desejo de morrer dia tal, mas é complicado ter controle sobre o assunto. Escolher data de nascimento de um(a) filho(a) é, até certo ponto, possível. Mas o período não é extensível ao infinito. Pode-se adiantar ou atrasar alguns dias, não mais.

Tem uma data que, salvo emergência, dá pra marcar: é a data de casamento. É verdade que casório anda meio fora de moda, mas ainda há muita gente que faz questão de seguir essa “tradição burguesa”, como diriam os barbudinhos dos anos 1980. Há quem escolha pelo horóscopo; outros querem que caia num sábado, que é pra poder receber um máximo de amigos (e de presentes).

Há datas especiais, muito procuradas. Este mês, temos duas excelentes. Uma delas é amanhã: 2 de fevereiro. Reparem como fica original: 2.2.22. É um charme, diga a verdade. A próxima será daqui a vinte dias. É mais forte ainda: 22.2.22. Não sei como anda o agendamento de casamento no Brasil, mas na Europa em geral – e na Suíça em particular –, já está difícil encontrar vaga nesses dias. Em Zurique, por exemplo, o dia 22 está completamente tomado. Não adianta insistir, que não vai adiantar. Dia 23, se o cavalheiro concordar…

Quem perder esta oportunidade vai ter outra daqui a onze anos. Será em 3.3.33. Perdida essa, só onze anos depois, em 4.4.44. E assim por diante, até o fim do século. Só que, se esperar muito, o distinto leitor periga ter de levar os netos pra assistirem ao casamento dos avós. Hoje em dia, fica meio fora de esquadro. Daqui até lá, quem sabe, pode ser que já ninguém ligue.

Pode até ser que ninguém mais se case.

____________________________________________________

JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

_________________________________________________________

1 thought on “A escolha da data. Por José Horta Manzano

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Assine a nossa newsletter