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As fake news como crime hediondo. Por Alexandre H. Santos

… “É importante observar o trânsito do passado até onde estamos agora, porque não se trata simplesmente de que antes havia notícias verdadeiras e hoje há falsas. O que mudou é que agora todo mundo pode fazer fake news e o Estado perdeu o controle.”

Slavoy Zizek

fake news - deepfake

Desculpe, mas se vamos tratar de mentiras premeditadas, não vejo espaço para a inocência. Há pelo menos uma concordância geral na sociedade civilizada: as fake news se tornaram uma praga terrível. Porém, o pior é que elas são apenas a evidência notável, o cume de um gigantesco iceberg.

Com assaz frequência somos ao mesmo tempo vítimas e algozes dessa prática infeliz; pois ao replicar uma informação sem ter dado ao trabalho de antes confirmar sua veracidade – e eu mesmo, com pressa e a melhor das intenções, já fiz isso algumas vezes –, não sou diferente das mulas que traficam cocaína, heroína e crack. A metáfora não é exagerada. A mentira proposital resultante de uma ação consciente, ardilosa e voluntária, que tem por fim deteriorar a aproximação social, ensejar desconfiança e cizânia, minar a convivência solidária, é um reflexo típico da distopia em que vivemos.

Foi no longínquo ano de 2008. O psicólogo norte-americano Brad Blanton cunhou a expressão honestidade radical para designar o método mais efetivo de se superar o estresse: falar 100% a verdade. Simples assim. Desde a perspectiva do autor, a mentira é causa primordial das nossas tensões físicas, mentais e emocionais. A justificativa, que à primeira vista parece singela e açucarada, pode ser resumida numa única frase: nós não fomos feitos (pela Natureza) para mentir!

O curioso é que cem anos atrás havia muita gente que pensava de maneira oposta. Nobel de Literatura de 1921, o escritor Anatole France chegou a afirmar que “a dissimulação é a primeira virtude do homem civilizado e a pedra angular da sociedade.” Não contente com o próprio juízo, France foi além e arrematou: “É-nos tão necessário esconder o nosso pensamento como andarmos trajados. Um homem que diz tudo o que pensa é tão inconcebível numa cidade como um homem que ande nuinho.” De fato, o renomado escritor seria vítima de um fulminante infarto de miocárdio se tivesse podido apreciar as fotos de Spencer Tunick, especializado em clicar massas de pessoas nuas em locais públicos das principais cidades do mundo. Ou simplesmente assistisse a um dos grupos europeus de ciclistas-nudistas passeando livremente pelas ruas num domingo de sol…

A conclusão de Blanton não se apoia no ar. Está fundamentada em extensos estudos de laboratório sobre os efeitos que o ato de mentir ocasiona no cérebro – e consequentemente na fisiologia – de cada qual e em todos nós. As neurociências têm confirmado esse saber. Quando a pessoa finge, calunia, falsifica, sua mente, suas emoções e seu corpo perdem vitalidade, a saúde desanda, o bem-estar se esvai. A necessidade de manter coerência com o que foi inventado, distorcido, o cuidado constante para não ser flagrado num ato-falho, essa paranoia se transforma numa angústia sem fim. Até pode acontecer dessa conta demorar a chegar, mas não se engane, ela chega. E essa cobrança nada tem a ver com Deus, com moral ou com ética. Trata-se de uma questão biológica e pragmática: a língua pode mentir, e muito, mas o corpo não mente jamais.

De maneira superficial e breve, vimos o efeito deletério que a mentira provoca na própria pessoa que mente. Oxalá o mal terminasse aqui. Infelizmente não é assim. Quem ouve a mentira, acredita nela e ajuda a propagá-la, torna-se corresponsável por pagar essa dívida. E se passamos desse close-up do indivíduo para uma visão de grande angular, ou seja, para as inverdades amplificadas pelas redes sociais, as fake news, o que já era muito ruim consegue ficar ainda pior. Pois quando as mentiras se tornam resultado de ações conscientemente planejadas para nos fazer crer que algo é o que não é, o que estas ações criminosas então fazendo é corroer o tecido vital da democracia – a confiança interpessoal. Afinal de contas, uma sociedade que já não crê nas notícias que circulam nos seus canais de informação, vai acreditar em quê? Em quem?

Parece-me didático e justo relembrar que calúnia e desinformação não devem ser confundidas com liberdade de expressão. Esta exige responsabilidade por aquilo que se expressa. Também convém separar o sujeito que oculta algo e engana um vizinho ou colega de trabalho, do outro que dedica tempo e energia para criar fake news e espalhá-las nas redes sociais. O primeiro comete um deslize ético, um delito menor, e pode necessitar aconselhamento ou terapia – talvez até mereça pena ou compaixão. Mas o outro não. O segundo comete um crime de extrema gravidade; e nem importa se o dito cujo é de centro, de esquerda ou de direita. O câncer é o mesmo! O impacto corrosivo que as fake news representam para a consolidação dos vínculos de confiança necessários à construção da convivência democrática é óbvio, ululante e atual.

Através dos nossos representantes no Congresso, devemos criar um projeto de lei que caracterize o financiamento, criação e divulgação de fake news como um ato contra a cidadania.

Portanto, como crime hediondo e inafiançável!

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Foto: @catherinekrulik

*Alexandre Henrique Santos – Atua há mais de 30 anos na área do desenvolvimento humano como consultor, terapeuta e coach. Mora em Madri e realiza atendimentos e workshops presenciais e à distância. É meditante, vegano, ecologista. Publicou O Poder de uma Boa Conversa e Planejamento Pessoal, ambos editados pela Vozes..

Acesse: www.quereres.com

Contato: alex@ndre.com.br

 

 

2 thoughts on “As fake news como crime hediondo. Por Alexandre H. Santos

  1. Concordo plenamente!!! A fake News precisa ser combatida com veemência, pois não contribui em nada na vida das pessoas e expansão social.

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