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by Géraldine Streichert, artista francesa

A canoa furou. Por José Horta Manzano

… Às pressas, o capitão decidiu mostrar que não é tão neopentecostal assim. Espichou o pé para outra canoa, disposto a provar que é também católico fervoroso. Por coincidência, as festividades do Círio de Nazaré caíam bem entre os dois turnos da presidencial…

by Géraldine Streichert, artista francesa

 É difícil embarcar em duas canoas ao mesmo tempo. Alguns encontram a solução: ficar de pé e pôr um pé em cada canoa. Às vezes dá certo, mas é raro. Bolsonaro, com poucos cartuchos na mão depois do primeiro turno, está apostando na arte de equilibrar-se entre duas canoas, um pé em cada uma.

Durante quatro anos, botou fé no apoio das comunidades neopentecostais. Com a cumplicidade de sua mulher, transformaram comícios eleitorais em verdadeiros cultos evangélicos ao ar livre. Só que, apurados os votos do primeiro turno, levou um susto. Descobriu que estava longe da meta que tinha fixado: vencer com 60% dos votos. O voto evangélico não tinha sido suficiente.

Às pressas, o capitão decidiu mostrar que não é tão neopentecostal assim. Espichou o pé para outra canoa, disposto a provar que é também católico fervoroso. Por coincidência, as festividades do Círio de Nazaré caíam bem entre os dois turnos da presidencial.

Ao anunciar sua ida a Belém, Bolsonaro crispou o ambiente. A Arquidiocese de Belém fez saber que não admitiria uso político da celebração. Garantiu não haver convidado nenhuma autoridade política, nem mesmo o presidente da República. O prefeito de Belém chegou a declarar que “a fé de todos os paraenses não pode ser sequestrada por uma candidatura à Presidência”.

Mais claro, impossível. O recado que não foi pronunciado mas ficou implícito no não-convite era: “Vosmicê não é dos nossos; vá catar coquinho na sua paróquia”. Ficou evidente que a tentativa de se equilibrar entre duas canoas afundou. As autoridades católicas não estão dispostas a dar palanque a um trânsfuga. Se ele escolheu com tanta ênfase sua vertente do cristianismo, que se contente com ela e que não venha semear discórdia na nossa grei.

Um Bolsonaro desenxabido publicou nas redes sociais uma foto que mostra sua silhueta e serve de prova discreta de sua participação nas celebrações. Só que – ai, ai, ai – pouco familiarizado com festas católicas, imaginou que em Belém estivessem louvando a memória de um sírio que andou fazendo artes em Nazaré nos tempos bíblicos. E mandou ver: Sírio de Nazaré.

A zombaria chegou rápido e forte: “Como assim, Excelência, não sabe nem escrever o nome da festa de que participou?” (Traduzi em linguagem decente, porque, no original, os comentários são inflamados e bem mais ásperos.) A canoa furou.

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Que sírio é esse?

Não é sírio, mas círio, com C. Círio, da família de cera, é uma vela grossa e alta. Esse termo, quem nos veio pelo latim, tem alguns poucos parentes em português, entre os quais o verbo encerar e o substantivo cerume. A palavra querosene também é derivada de uma raiz que significa cera, mas nos veio diretamente do grego.

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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

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