VERBA

Res, non verba. Por Alexandre Schwartsman

… Uma das frases favoritas do Fábio Barbosa, meu ex-chefe, é: “suas ações falam tão alto que não consigo escutar o que você está dizendo”…

VERBA

PUBLICADO ORIGINALMENTE NA FOLHA DE S. PAULO, 
Tendências e Debates, EDIÇÃO DE 18 DE DEZEMBRO DE 2022 

Uma das frases favoritas do Fábio Barbosa, meu ex-chefe, é: “suas ações falam tão alto que não consigo escutar o que você está dizendo”.

Andei refletindo um bocado a respeito dela à luz de declarações recentes do futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Em entrevista há pouco afirmou: “não estamos num momento em que a expansão fiscal vai ajudar a economia”. Na mesma linha, reforçou: “temos que compatibilizar a responsabilidade fiscal com responsabilidade social”.

Ambas as afirmações deveriam soar como música ao mercado financeiro, aparentemente o público a que foram direcionadas. Entretanto, quando observamos o desempenho do mercado de renda fixa, por suas características o mais sensível à política econômica doméstica, e também o mais importante para a trajetória futura do endividamento público, ninguém parece particularmente seduzido pelo canto do ministro.

E nem deveria. As ações do futuro governo, principalmente no que diz respeito à política fiscal, estão em direta contradição com a letra da canção. Nas contas de analistas respeitáveis como Marcos Mendes, colunista deste jornal, o aumento de gastos relativamente ao orçado para o ano que vem pode atingir perto de R$ 200 bilhões, cerca de 2% do PIB.

À parte o gasto associado ao auxílio emergencial e outras medidas durante a pandemia, trata-se do maior aumento de despesas em um único ano desde que conseguimos acompanhar as contas do governo federal. E isto num contexto de IPCA ainda acima da meta, com a inflação subjacente correndo a 8,5-9,0% ao ano, atuando, portanto, no sentido oposto daquele perseguido pelo BC. Enquanto este se esforça para reduzir o ritmo de expansão da demanda, a proposta do novo governo busca acelerá-lo.

De fato, sabe-se que a manutenção do Auxílio-Brasil (agora rebatizado Novo Bolsa-Família) nos atuais patamares, ainda vitaminado pela inclusão do adicional por crianças até 6 anos de idade, implicaria gastos da ordem de R$ 70 bilhões adicionais aos já orçados. A que se destinam os demais R$ 130 bilhões?

Apesar da fantasia de que o gasto federal, medido como proporção do PIB, se manteria estável em comparação ao observado em 2022, supostamente neutro (ênfase em “supostamente”), portanto, é fato que, mesmo sob esta ótica favorável, se elevaria e não pouco.

As falas do ministro, portanto, não escondem a predileção da política econômica: mais gastos. E não está sozinho nisto: o indicado para a secretaria-executiva do ministério, Gabriel Galípolo, jamais escondeu sua inclinação pela intervenção estatal, seja sob a forma de gasto público, seja pela interferência nas relações econômicas. Em sua tese de mestrado, por exemplo, afirmava que a superação do atraso brasileiro só poderia resultar “da mediação do Estado na organização do processo produtivo”. Em artigo cometido nesta Folha, tendo como cúmplice Luiz Gonzaga Belluzzo, conseguiu a proeza de somar dois déficits e obter um superávit.

De forma congruente, temos a nomeação do ex-senador e ex-ministro, Aloizo Mercadante, para o BNDES.

O histórico dos governos petistas na gestão do banco já não é positivo, marcado pela concessão de generosos subsídios creditícios – sabe-se lá por que critérios – a “campeões nacionais”, como a notória JBS, além do uso da instituição para estimular a demanda, a chamada “política parafiscal”, mecanismo que, entre outras coisas, reduzia o poder da política monetária.

Neste contexto, é no mínimo preocupante que Mercadante tenha reclamado da atual taxa referencial do banco, a Taxa de Longo Prazo, dando a entender que defende o retorno a uma sistemática similar à existente naquele período.

Não é surpresa, portanto, que o mercado financeiro não se encante pelas promessas de Haddad. Não basta proferir “novo arcabouço fiscal” três vezes a cada discurso na esperança que isto convença os agentes econômicos da seriedade de intenções. Atos, não palavras, são necessários, em particular medidas que de fato trarão o necessário controle do gasto, ausência notável até agora.

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* ALEXANDRE SCHWARTSMANDOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS

@alexschwartsman
aschwartsman@gmail.com

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