SAÚDE MENTAL

Janeiro branco. Por Alexandre Henrique Santos

…O Janeiro Branco chama atenção para a importância do cuidado necessário com cada qual e com toda nossa gente. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o maior risco à nossa saúde mental são os processos depressivos causados pelo Covid-19 e a crise sócioeconômica que lhe tem sucedido…

janeiro branco

Nada é mais sagrado do que a integridade da sua própria mente.

Ralf Waldo Emerson

Os números de contágios e óbitos da pandemia do Covid-19 nos mostram a parte visível de um drama imensamente maior. Aproveitando a repetida e didática metáfora, são a ponta de um gigantesco iceberg. Abaixo dessa estatística há o profundo e avassalador sofrimento contido nas diferentes formas de luto. Sem que viva honestamente a dor que lhe toca viver, ninguém pode dizer que é mentalmente saudável.

Conheci Salomón Sellan num seminário em Antigua, na Guatemala, em 2017. É desses professores capazes de manter duzentas pessoas literalmente hipnotizadas durante horas e horas. Sua biografia intelectual confirma a fama de maior autoridade mundial no tema das perdas. É impossível desenvolver qualquer abordagem acadêmica séria sobre o luto sem citar pelo menos meia dúzia dos seus livros publicados. Agora, quando reflito sobre Janeiro Branco – ideia de um grupo de psicólogos de Uberlândia, Minas Gerais, para dar visibilidade a urgência de se discutir saúde mental – relembro uma aula do Mestre sobre perdas coletivas, as catástrofes que consumiram milhares de vidas de uma cidade ou região.

Sellan nos ensina que toda perda acarreta um vazio doloroso e pede luto. Não importa se se trata do objeto querido que foi extraviado, da destituição de um cargo na empresa, o término de uma relação afetiva ou a mudança física de uma casa para outra. E embora o ser humano seja adaptativo, o luto é um processo que exige tempo. Não só o tempo do deus Kronos, do minuto de sessenta segundos; mas também o de Kairós – o nebuloso semideus grego, responsável pelo insondável tempo da psiqué. Quer dizer, o fluir interno de cada um.

Para nós que seguimos vivos, os vazios mais desafiadores e impactantes são aqueles que não podem ser preenchidos. É onde o bicho pega, pois são perdas irreversíveis – como querer assistir um novo show de Gal Costa, ou sentir outra vez o abraço do amigo que já se foi. Esse luto, entre todos o mais dramático, exige uma liturgia social e outra solitária, únicas para cada indivíduo, família, grupo, vizinhança. Toda morte suplica ser sentida, lamentada, chorada e, com tempo e com sorte, ser aceita e só então metabolizada. Está certo que o morrer faz parte da experiência da vida; mas não por isso o luto e seus atributos – como as lágrimas, o silêncio e a tristeza – devem ser negligenciados ou tratados como algo superficial.

janeiro brancoPelo dito e pelo não dito, mais de 700 mil patrícias e patrícios morreram vítimas do Covid-19. Eu, você e qualquer pessoa por nós desconhecida, perdemos um amigo, parente ou conhecido. Mas no Brasil essa necessidade humana de atravessar a experiência do luto com o devido reconhecimento, respeito e paciência foi confundida torpemente com sentimentalismo besta, mi-mi-mi, coisa de maricas ou estupidezes similares. Nosso governante anterior atravessou o Atlântico para prestigiar o funeral da rainha inglesa, mas foi incapaz de visitar um hospital ou de manifestar presencialmente seus pêsames à família de uma única vítima brasileira!

O Janeiro Branco chama atenção para a importância do cuidado necessário com cada qual e com toda nossa gente. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o maior risco à nossa saúde mental são os processos depressivos causados pelo Covid-19 e a crise sócioeconômica que lhe tem sucedido. É inacreditável a quantidade de pessoas de todos os quadrantes do globo que sobrevive hoje às custas de medicações de tarja preta. Uma amiga, enfermeira da Unimed-Recife, me confidenciou que nunca cuidou de tanta gente vítima de tentativas de suicídio; inclusive de idosos e até crianças.

O protocolo do diagnóstico da depressão mais aceito e difundido pelos especialistas da saúde mental, que não é o meu caso, consiste numa escala ascendente de sete etapas de comprometimento do indivíduo. Após conversas com alguns desses doutores, entendi que é significativa a chance de que eu e você, leitora ou leitor, estejamos nesse exato momento estacionados no degrau 1, 2 ou 3 da supracitada escala. Em outras palavras, a minha, a sua, a nossa saúde mental corre risco, seja em consequência das perdas ocasionadas pela pandemia ou pela combinação destas com a crise econômica que acossa o Brasil e o mundo.

Diante desse desafiador cenário, nos cabe apoiar a iniciativa dos psicólogos e médicos mineiros e divulgar a urgente importância do Janeiro Branco. Absolutamente ninguém está isento de vir a contribuir, com o próprio exemplo, para ampliar o número das pessoas com problemas de saúde mental.

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Foto: @catherinekrulik

*Alexandre Henrique Santos – Atua há mais de 30 anos na área do desenvolvimento humano como consultor, terapeuta e coach. Mora em Madri e realiza atendimentos e workshops presenciais e à distância. É meditante, vegano, ecologista. Publicou O Poder de uma Boa Conversa e Planejamento Pessoal, ambos editados pela Vozes..

Acesse: www.quereres.com

Contato: kari1954kari@gmail.com

 

2 thoughts on “Janeiro branco. Por Alexandre Henrique Santos

  1. Alexandre,
    O nosso amigo Padre Ton, de uma paróquia de Itu, através do condicionaria, toma conhecimento de alguns distúrbios mentais com tendência para suicídio que ele encaminha para Lígia.
    Como psicóloga, Lígia se sente realizada com esse trabalho voluntário.

  2. Alexandre,
    O nosso amigo Padre Ton, de uma paróquia de Itu, através do conficionario, toma conhecimento de alguns distúrbios mentais com tendência para suicídio que ele encaminha para Lígia.
    Como psicóloga, Lígia se sente realizada com esse trabalho voluntário.

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