A democracia resiste

by Marcos “Quinho” de Souza Ravelli (1969-), desenhista mineiro

… Há sinais de recuperação da democracia ao redor do globo. Embora tímidos, acanhados e quase imperceptíveis, apontam para o lado positivo. Vamos a alguns deles.

 Artigo publicado no Correio Braziliense e no blogue do autor
A democracia resiste
by Marcos “Quinho” de Souza Ravelli (1969-), desenhista mineiro 

 Há sinais de recuperação da democracia ao redor do globo. Embora tímidos, acanhados e quase imperceptíveis, apontam para o lado positivo. Vamos a alguns deles.

A China, entre os países importantes, é o que tem o regime mais controlado e hermético, apesar de ser mais autoritário que comunista. Na comparação, a vida na Rússia – país onde até o vocabulário do cidadão é escrutado pra vigiar que nunca associe o nome ‘Ucrânia’ à palavra ‘guerra’ – parece solta e jovial.

Pois foi essa China que nos deu, no fim do ano passado, inesperada mostra de que o rigor das regras sociais pode ser afrouxado pela pressão popular. Quase três anos de confinamento estrito, por motivo de covid, estavam fazendo mal à economia e, sobretudo, à população. Parece que a transmissão dos jogos da Copa do Mundo deu origem à ira popular. A visão de estádios cheios de gente sorridente e sem máscara foi a gota d’água. Manifestações de indignação se alevantaram nas metrópoles chinesas, com coro de “Fora, Xi Jinping!” – afronta insuportável. Poucos dias bastaram para o rigoroso regime de “covid zero” ser abolido.

No Irã, faz meses que a população manifesta seu desagrado com o rigor da ditadura dos aiatolás. O triste destino de uma jovem que morreu enquanto detida pela polícia da moralidade pelo motivo de não usar direito o véu obrigatório foi o estopim da revolta popular. Dia após dia, a obstinada e corajosa juventude iraniana manifesta nas ruas sua insatisfação com o regime. A dura repressão já deixou centenas de cadáveres, mas a ira da população tem se mostrado à altura da mão pesada do governo. Em mais de quarenta anos de regime teocrático, é a primeira vez que o povo se queixa com tal intensidade. Pode bem ser o primeiro passo para a queda da ditadura.

Nos EUA, o campo antidemocrático liderado por Donald Trump sofreu profundo revés nas eleições de “mid-term”. Quando todos já se resignavam de assistir a uma arrasadora onda de eleitos trumpistas, o eleitorado democrata deu um sobressalto e limitou as perdas. A volta do bilionário à Presidência ficou um pouco mais problemática.

Na Itália, a primeira-ministra Giorgia Meloni vem se saindo melhor que o figurino. Ao assumir a chefia do governo, abjurou Mussolini e o fascismo, regime pelo qual havia demonstrado simpatia no passado. Juntou-se aos demais países da Otan e deu seu apoio ao envio de armas para que os ucranianos defendam seu território contra o invasor russo. Em uma palavra, a Signora Meloni civilizou-se. Fez desaparecer o lado assustador da extrema-direita. Caminha na boa direção.

No Brasil, as últimas semanas de 2022 e as primeiras deste ano foram turbulentas. Jair Bolsonaro, quando presidente, passou anos prevenindo o distinto público de que, se não fosse reeleito, se insurgiria contra o resultado das eleições. Numa preparação do que estaria por vir, chegou a avisar, ao corpo diplomático lotado em Brasília, a vulnerabilidade de nossas urnas eletrônicas.

… É a prova de que, na hora agá, nossa democracia não se rompeu.

Quando as eleições chegaram e o capitão foi derrotado, forte apreensão tomou conta da população não fanatizada. E agora? Será que o perdedor nos condenará a regredir a uma era de botas na calçada e brucutus no asfalto?

Em outros tempos, talvez a pólvora tivesse assumido o protagonismo e o país tivesse de novo mergulhado nas trevas. Numa mostra de que o horizonte nacional já está desanuviado de aventuras desse tipo, Bolsonaro emburrou, enclausurou-se no palácio e lá ficou dois meses – calado para o público externo, mas certamente ativíssimo na preparação do sonhado golpe.

O resto, todo o mundo sabe. Bolsonaro fugiu, e o 8 de janeiro viu o “Exército da Loucura” em ação. Quebraram vidros, mas não quebraram a lealdade de uma maioria de fardados responsáveis. Derrubaram peças de arte, mas não derrubaram a Lei Maior. Subiram no alto de palácios, mas não atingiram o topo do poder. O Brasil balançou, mas não cedeu.

Agora, o espetáculo que nos proporcionam um ex-presidente homiziado no exterior, invasores rastaqueras na cadeia e financiadores acuados traz uma lufada de ar puro a nossa nação.

É a prova de que, na hora agá, nossa democracia não se rompeu.

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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

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