brasileiros

Geopolítica segundo Lula. Por José Horta Manzano

Geopolítica, francamente, não é o forte de Luiz Inácio. Ele tem razão quando percebe que o caminho para transformar o Brasil de país grande em grande país passa obrigatoriamente pelo reconhecimento que as grandes nações nos dedicam. Seu diagnóstico é acertado; o problema é como chegar lá.
geopolítica

Uma forte agenda de encontros com dirigentes estrangeiros, tanto no exterior quanto em Brasília, é um bom passo. Nesse particular, Lula está se saindo bem. Já esteve na Argentina, em Portugal, nos EUA, na China, nos Emirados. Cada aperto de mão é mais um caco recolado nas relações que o presidente anterior tinha estilhaçado. Ponto para Lula, que está no caminho certo.

O presidente quer mostrar que o Brasil já está grandinho e maduro para sentar-se à mesa dos grandes e participar da governança mundial, com carteirinha de membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. A ideia é excelente. De fato, se for atendida, essa reivindicação só poderá melhorar a visibilidade do Brasil.

O que importa é mostrar que amadurecemos e que nos tornamos um país sério e responsável. Nesse ponto, a visceral detestação que Lula guarda para com os EUA lhe está sendo má conselheira. As caneladas públicas que tem dado em Tio Sam ao longo dessa viagem à China indicam que ele está levando perigosamente o Brasil a uma troca de idolatrias: abandona-se a antiga veneração a Washington e dá-se início à adoração à China. Nesse ponto, Lula está exagerando sem necessidade.

Assinar acordos e protocolos com o gigante asiático é importante. O Brasil não pode ignorar seu principal parceiro comercial. Só que as caneladas nos EUA sobram. Não havia razão para dizer que “Ninguém vai proibir o Brasil de aprimorar sua relação com a China”. Ficou esquisito. Pareceu brado de independência de país oprimido ou desabafo de adolescente: “Agora ninguém manda mais em mim!”. É o tipo de recado inútil, uma flechada em Washington sem nenhum benefício para nós.

Lula gostaria que fosse aceita sua proposta de formar um “clube da paz” para intermediar o fim da guerra da Ucrânia. Quem é que não aplaude a ideia? Só que falar é fácil, pôr o projeto em prática é que são elas. Mas uma coisa é certa: se o Brasil pretende sentar entre os dois beligerantes para tentar apaziguá-los, o melhor será manter atitude e comportamento neutro, sem demonstrar simpatia nem antipatia por nenhum dos lados. Não é o que Lula tem feito.

Apesar de convidado pessoal e publicamente por Volodímir Zelenski para visitar a Ucrânia, Lula não marcou prazo para respirar os ares de Kiev. No entanto, está recebendo em Brasília, esta semana, o inarredável Serguêi Lavrôv, chanceler russo há mais de 20 anos.

Luiz Inácio já disse que atacar a Ucrânia foi um “erro histórico de Putin”, declaração que não deve ter caído bem no ouvido do ditador russo. Chegou a tratar Putin de “presidente”, enquanto reservou um desdenhoso “o Zelenski” para o presidente ucraniano – desenvoltura que não deve ter sido apreciada “pelo” Zelenski. Na mesma frase, afirmou que ambos os lados são culpados pela guerra, opinião que deve ter desagradado a ambos.

Em suma, quem é que vai aceitar um intermediário que, antes mesmo do início das tratativas, já andou dando cotovelada nos dois adversários?

 A viagem de Lavrôv

Na viagem que faz às Américas esta semana, o inoxidável Serguêi Lavrôv, ministro das Relações Exteriores de Putin, visita não somente o Brasil, mas também: Venezuela, Cuba e Nicarágua. O Brasil de Lula se presta à jogada de Moscou para humilhar os EUA.

G7

Lula desdenhou o G7, um clube sem importância a seus olhos. Na mesma frase, reverenciou o G20, esse sim, clube respeitável. Esse é o tipo de observação sem propósito, que não ajuda ninguém mas que pode trazer dissabores. Os integrantes do G7 hão de ter apreciado. Luiz Inácio deveria se abster de cuspir no prato do qual amanhã pode ter de comer.

Huawei

Luiz Inácio fez questão de visitar Huawei, gigante chinesa que fabrica equipamento de telecomunicação. Por receio de serem espionados em benefício de Pequim, meia dúzia de países desenvolvidos – entre os quais os EUA, a Inglaterra, o Canadá e a Itália – já baniram compras dessa firma. Outras nações pensam em aderir ao boicote. Tirando a faceta bravateira, não vejo razão para justificar a visita de Lula a essa firma. É recomendável ser prudente antes de fazer negócio com eles.

 Ingratidão

Quanto ao descaso que vem demonstrando pelos EUA, Lula está pecando por ingratidão. Joe Biden, o sorridente velhinho que preside os States, foi o primeiro dirigente estrangeiro a cumprimentar efusivamente Lula pela vitória de outubro, puxando assim a fila de dezenas de cumprimentos internacionais. Nem que fosse só por isso, nosso presidente poderia ter evitado dar cutucões inúteis nos EUA.

____________________________________________________

JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

______________________________________________________________

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Assine a nossa newsletter