
Com dois TT. Por José Horta Manzano
Gusttavo Lima e Anitta, ídolos comparáveis a Francisco Alves e Linda Batista de nossos tempos, são a demonstração do poder midiático do T. (Quando digo “poder midiático”, não penso na mídia, mas no rei Midas, aquele que transformava em ouro tudo o que tocava.)
De criança, eu achava um charme ter letra dupla no nome. Dois zz, dois mm, dois ff – qualquer letra valia. Só não valia dois ss ou dois rr, que eram letras comuns demais e não dariam graça ao nome. Infelizmente, meu nome não tinha letras duplas. Tive de me conformar e passar a vida inteira sem o que me parecia o “charme do nome”.
Constato hoje que a ideia de charme evoluiu. O povo não parece mais vidrado em letra dupla, como era meu caso. Nestas décadas mais recentes, a moda é acrescentar ao prenome (digo bem acrescentar, nunca eliminar) letras ao acaso, como um jogo em que dadinhos são lançados ao alto e… onde caírem, caíram.
Eu disse “letras ao acaso”, mas tenho de clarear a explicação. Nessa curiosa ideia de lançar dadinhos com letrinhas, não se usa todo o alfabeto. Só umas poucas letras são utilizadas: H e Y principalmente.
Assim, tenho visto Jhonny, Jhonatan, Davyd, Alyce, Olyvia. Apesar de tudo, letras duplas ainda chegam a encantar. Já vi Weslley, Ellyana.
Dessa sopa de letrinhas, tem saído um duo milionário. Quando usado em dupla, o T, uma letra que está mais pra jogo da forca do que pra baú de Ali Babá, pode ser o gatilho para a entrada de dinheiro na vida de uma pessoa.
Gusttavo Lima e Anitta, ídolos comparáveis a Francisco Alves e Linda Batista de nossos tempos, são a demonstração do poder midiático do T. (Quando digo “poder midiático”, não penso na mídia, mas no rei Midas, aquele que transformava em ouro tudo o que tocava.)
Nossos dois personagens, duplamente tezados, passaram do nada à riqueza bilionária em função da duplinha TT, à qual tudo devem. E pensar que, no original, nenhum dos nomes – nem Gustavo nem Anita – aceita o duplo TT. Gustaf (ou Gustav) é nome masculino escandinavo. Oito reis suecos, incluindo o atual, levavam esse nome. E nenhum deles precisou acrescentar um T ao nome. Será porque já nasceram ricos.
Já Anita é diminutivo de Ana, nome feminino velho como a Bíblia. O que Ana costuma ter é duplo NN (Anna), inclusive no Brasil pré-reforma ortográfica de 1943. A rigor, nossa moderna Linda Batista poderia ter escolhido Annita, com dois NN, forma que não chocaria. Na hora do lance, o dadinho deve ter escorregado para o lugar errado.
Hoje fiquei conhecendo mais uma jovem iniciante na carreira, que adotou o duplo TT. Trata-se de bonita moça que responde pelo exótico nome de Anttónia Morais, outra jovem que deve ter acreditado no poder “midiático” da duplinha mágica. Ela parece ter entrado com pé direito no caminho da glória: vestiu joias de R$ 800 mil pra pisar o tapete vermelho de Cannes.
Da próxima vez que eu for criança, vou transformar meu Horta em Hortta. Será caminho certeiro para a riqueza bilionária. Desta vez, já ficou tarde.
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
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