eterno

O eterno e o efêmero. Por Antonio Contente

Eterno… “…temos pronto o nosso personagem, um homem. Apaixonado por uma linda mulher durante anos, e anos, e anos. Em que acompanhou os inúmeros namoros dela, os velados casos, e, até, o casamento. Quanto a este evento, inclusive, assistiu sem ter sido convidado…”

eterno e efêmero

Histórias de amor interessantes são aquelas das paixões intermináveis que nem sequer explodiram, em que as mãos se tocaram apenas em raríssimos cumprimentos formais. Como se os corpos circulassem sempre, um indo, outro vindo, por estrada de duas vias. Tal tipo de relação, claro, exige que o envolvimento seja unilateral. Ou dela por ele, ou dele por ela. Porém esculpindo o ser que segue, a vida inteira, apaixonado por alguém. Diriam os recatados, de coração e alma, ser isto um poema. Os menos castos, não descartariam as febres, duramente contidas, dos anseios da carne. Ah, essa é uma das mais maravilhosas expressões da língua portuguesa, anseios da carne…

Assim temos pronto o nosso personagem, um homem. Apaixonado por uma linda mulher durante anos, e anos, e anos. Em que acompanhou os inúmeros namoros dela, os velados casos, e, até, o casamento. Quanto a este evento, inclusive, assistiu sem ter sido convidado. Apenas viu a notícia nas colunas dos jornais, envergou seu melhor terno, e postou-se em bom lugar junto à nave central da bela igreja. Atravessada pela moça devidamente conduzida pelo pai. Um órgão, posto em lugar incerto e não sabido do templo, tocava a Marcha Nupcial, de Mendelssohn. Da outra vez que precisou entrar numa igreja para ver a amada, foi quando ela ficou viúva. O marido, estirado, hirto, no esquife junto ao altar da capela do cemitério, por vezes parecia prestes a abrir os olhos para encarar um orador a pronunciar elogio fúnebre copioso, aquoso, melífluo e inútil.

Dela, por fim, o apaixonado montou um álbum. Como se tratava de pessoa cuja beleza não apenas zombava do tempo, mas parecia dele fazer uso para aperfeiçoar seus lindos traços, nosso herói acumulou pequenas notas em colunas sociais falando da figura. E inúmeras, dezenas, centenas de fotos publicadas em jornais, revistas, boletins, “house organs” e, quem poderá saber, talvez até em opúsculos canônicos ou teses de mestrado.

Uma noite, em festa num clube, ele se aproximou de roda onde ela estava. Logo alguém falou, indicando a exuberante figura:

         — Deixe que eu lhe apresente a

         — Já a conheço – ele cortou.

         — Me conhece? – Ela se espantou.

         — Claro – ele respondeu – você é ubíqua.

         — Ah… – a moça sorriu, em dúvida quanto ao significado do adjetivo…

Conversaram em bons instantes sem que ele revelasse nada da devoção que cultivava há tantos anos. Ao fim da festa ela se foi com os amigos, mas, nos dias seguintes ele ligou; saíram, até que pintou o inevitável convite para um drinque no apartamento dele. Foi um encontro de ternas singularidades. Pegou-a num ponto previamente estabelecido e ela logo viu no banco do carona, ao entrar no carro, uma linda rosa vermelha. E no apê relativamente amplo observou, em destaque numa das paredes, bem emoldurada foto de uma linda mulher. Quis imediatamente saber quem era.

         — Ora – ele respondeu – não está reconhecendo? É você. Apenas mandei ampliar e emoldurei. Saiu na capa da Caras.

         — Ora, mas aí eu devia ter o que? Uns trinta anos…?

         — Trinta e dois – ele corrigiu.

Nosso herói preparou-se, então, para contar da paixão, do amor que curtia desde os anos sessenta. Nesse momento, porém, a visitante apontou para outra foto, num porta-retratos:

         — E esse gatão jogador de tênis, quem é? Seu filho?

         — Não, esse, como você diz, gatão, sou eu. Na mesma época da sua foto que ali está.

         Olharam-se quase longamente sem dizer nada. Então ela abriu a bolsa, retirou o celular. Suspirou:

         — Sabe?, nós nos encontramos no tempo errado. Mas não se preocupe, estou ligando pro meu bisneto vir me buscar.

Daí, nunca mais se viram. E ele, enfim, destruiu todos os recortes e todas as fotos. Menos a emoldurada na parede. Afinal, era o testemunho do eterno. E do efêmero.

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Antonio ContenteANTÔNIO CONTENTE – Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.

 

2 thoughts on “O eterno e o efêmero. Por Antonio Contente

  1. Lindaaaa ! Que amor solitário, meu Deus . Ele viveu um sonho acabado que foi construído em cima de nada, no vazio . Muito triste o que este homem viveu . Passou a vida recolhendo migalhas para não dar em nada . Neste vasto mundo ele poderia ter sido mais feliz se não fosse tão ingênuo .

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