história de amor

História de um cego amor. Por Antonio Contente

História… Mas a verdade é que vale a pena colocar as coisas enquadradas no tempo: o rompimento dos enamorados ocorrera mais ou menos ao meio-dia e meia. Pelas quatro da tarde, Japal sentia que tudo nele fraquejava…

historia de amor

         Mesmo quando há entre duas pessoas aquilo que, antigamente, chamavam de cego amor, podem pintar atritos. E quando o casal, mesmo apaixonado, não chega ao esperado desfecho do casamento, talvez por sutis enrolações, o rompimento do namoro passa a ser uma espécie de ave agourenta que paira no ar. Assim foi que, mesmo ligadíssimos, Nunziata e Japal acabaram rompendo. Numa cena até meio teatral, certa manhã a moça bradou: “A porta da rua é a serventia da casa. Vá, vá e não volte nunca mais”! Ele, agitadíssimo, responde, com o corpo inteiro a tremer: “Nem morto, minha filha! Não volto nem morto”!

         Bobagem, porém, do cara. Que, no carro, não conseguiu percorrer três quadras para constatar que já estava com saudades da moça. Ao chegar à porta de casa, parou ante a garagem e permaneceu com as duas mãos agarradas ao volante, respiração ofegante. Até cair na implacável verdade: não poderia viver sem a fulana.

         Vamos, agora, abrir parêntese para considerar certas coisas. Por exemplo: Nunziata era, simplesmente, linda. Moça de pele alva e cabelos claros, nascera num dos mais belos vales de Santa Catarina. E se não chegava a ser nenhuma Vera Fischer dos bons tempos, possuía sólidos encantos de deixar no chinelo qualquer Sônia Braga; também dos bons tempos.

         Quanto a Japal… Bem, ele não era nenhum boa pinta como algum famoso galã de cinema, por exemplo. Nascera na cidade de Catolé do Rocha, nas brenhas do progressista Estado da Paraíba. Diziam do moço que descenderia de cangaceiros, havendo, até, quem falasse em Lampião, Maria Bonita etc. Tais detalhes, segundo alguns, lhe conferiam certo halo de aventura; e, quem sabe, de fatalidade. Apontavam que isso atrairia certas mulheres…

         Mas a verdade é que vale a pena colocar as coisas enquadradas no tempo: o rompimento dos enamorados ocorrera mais ou menos ao meio-dia e meia. Pelas quatro da tarde, Japal sentia que tudo nele fraquejava. E, finalmente, às 18 horas,  encontrava-se de porre num barzinho sórdido, desses que permitem, a quem cai, ter o rosto lambido por cão vadio.

         Ao acordar no dia seguinte com ressaca monumental, Japal arrasta-se, como um verme, até a geladeira onde, pelo gargalo, bebe quase um litro d’água. Conclui então que o que sentia era o amargor da própria vida. Da própria vida sem Nunziata.

         Depois de um banho quentíssimo e da ingestão de vários comprimidos para cefaleia pós-alcoólica, nosso herói se debruça sobre a providência mais óbvia para quem se encontrava na sua situação: ligaria para o objeto da paixão. Só que a voz da empregada que atendeu veio rascante, após falar com a patroa: “Ela mandou dizer que não está”…

         Daí em diante Japal radicalizou: enviou flores, cartas d’amor, presentes… Só que com resultado nenhum. Assim,  Nunziata não ficou nada surpresa ao encontrar nosso herói na porta do prédio em que morava, na hora em que saia para o trabalho. Foi ríspida:

         — O que você quer?

         — Falar com você…

         — Será que já não dissemos tudo que tinha pra ser dito?

         — Você tem que me escutar, Nunziata.

         Ela então cruza os braços e escuta uma dessas copiosas, dilacerantes declarações d’amor. Ao que responde, segura, calma, com um “tudo bem, eu caso com você; só que tem que ser nos meus termos”. Ele arfa: “O que você quiser”…

         — Bom – Nunziata descruza os braços – vai ser assim: você vai para o trabalho, mas terá que vir almoçar em casa todo dia; de tarde, me liga de vez em quando e chega para o jantar exatamente às 17 horas. Nos fins de semana, invariavelmente, clube. Pelo menos duas vezes por mês, jantar num restaurante de primeira. Quero também teatro, cinema e visitas mensais à minha mãe, com você levando flores pra ela.

         —Topo – a resposta saiu, indesmentível.

         Semanas depois ocorreu o casamento e, justiça seja feita, Japal não resvalou do script uma vez sequer. Até que, no sexto mês da união, a esposa abre o jogo: “Posso ser sincera? Acho o cúmulo você ter aceitado as exigências descabidas que te fiz e vir cumprindo cada uma delas com exasperante precisão. Francamente”…

         Japal escuta sem dizer nada e, no dia seguinte, não aparece para o almoço. Também não ligou à tarde e só retornou à casa depois da meia-noite e de fogo. Nunziata brada:

         — Agora sim, estou vendo que essa é a vida que você quer!

         — Meu amor – ele responde – eu não me pertenço. Quero, apenas, a vida que você mandar.

         — Ora, Japal – ela rosna – vá plantar batatas!

         Disse isso e subiu pro quarto. Horas depois, como o marido não aparecesse e já era madrugada, saiu para procurá-lo. Encontrou-o no fundo do quintal, com enxada na mão, a cavar o solo com vários tubérculos amontados no chão.

         — O que é isso?! – Berra.

         — Estou, meu amorzinho, exatamente plantando as batatas que você mandou

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Antonio ContenteANTÔNIO CONTENTE – Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.

 

 

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