
O que os empresários geram além de empregos? Por Aldo Bizzocchi
… Empresários usam de seu poder econômico para oprimir seus empregados (cinicamente chamados de “colaboradores”) e seus consumidores, obrigando estes a sujeitar-se ao que lhes é oferecido. Se o consumidor tenta reclamar, deve primeiro submeter-se à via crucis do menu eletrônico…
Sempre que partidos ou governos de esquerda criticam o chamado “andar de cima”, isto é, os ricos, os capitalistas, estes se defendem argumentando que empresários geram empregos, portanto são essenciais ao desenvolvimento do país. De fato, não seria concebível o progresso econômico, social e tecnológico sem a atuação de pessoas que decidam empreender e, usando seu capital, criem negócios que empreguem outras pessoas, as quais, não sendo empreendedoras, vendem sua força de trabalho a quem empreende.
Mas, desde a Revolução Industrial e sobretudo hoje, em tempos de mecanização do trabalho e inteligência artificial, eu diria que empresários geram desemprego, na medida em que não hesitam em substituir mão de obra humana por robôs e algoritmos — afinal máquinas e softwares não fazem greve, não pedem aumento de salário, não faltam, não ficam doentes, não tiram férias, não se recusam a cumprir ordens, não demandam encargos trabalhistas, não processam seus patrões…
Como disse o economista escocês Adam Smith, “o padeiro põe o pão na minha mesa todas as manhãs porque faz pão no seu próprio interesse, não no meu”. E o interesse do empresário é um só: o lucro. A lógica do capitalismo é que, na medida em que aufira lucro, o empreendedor também presta um serviço à sociedade, provendo-a com produtos e serviços que de outra forma não existiriam — ou teriam de ser providos pelo Estado, como nos regimes comunistas, o que gera ineficiência e baixa qualidade, além de muitas vezes escassez.
Mas é justamente o fato de que o empresário só produz em razão do lucro o que leva à mentalidade da maximização do lucro a qualquer custo. Nesse sentido, empresários geram empregos, mas também fazem propaganda enganosa para vender mais, usam de seu braço armado, chamado marketing, para nos convencer a comprar o que não precisamos ou para enaltecer as qualidades miraculosas que seus produtos não têm. Pior, aliciam até as indefesas crianças com o chamado “marketing futuro”, visando a moldar desde cedo os futuros consumidores. Empresários anunciam mercadorias a preços que sempre terminam com o algarismo 9 para parecerem mais baratos do que realmente são. Em nome do lucro máximo, empresários nos fazem comer carne com hormônios e antibióticos e verduras com agrotóxicos, além de nos fazerem consumir alimentos porque são mais lucrativos para eles, não importa quantas doenças eles produzam. Empresários impulsionam nas redes sociais publicações que tenham muito engajamento mesmo que sejam golpes, fake news, discursos de ódio, propagandas falsas ou incentivos à violência e ao terrorismo, afinal like is money. Empresários em geral têm desprezo pelo meio ambiente, visto como um empecilho aos seus empreendimentos, e pelos animais, vistos como mera mercadoria. Se certos pecuaristas dizem adotar tratamento “ético” ao gado, não é por amor aos bichinhos ou respeito à vida e sim por pressão de certos setores mais esclarecidos da sociedade; se dizem adotar medidas de compliance ambiental, é para não perder mercados e não porque se preocupem com o futuro do planeta ou com o mundo que vão legar a seus netos. Aliás, muitas das políticas de sustentabilidade econômica, social e ambiental que as empresas dizem adotar não passam de retórica, isto é, de mais uma estratégia de marketing para capturar os incautos.
Em nome da maximização do lucro, empresários não hesitam em vender produtos que sabidamente fazem mal à saúde sob a alegação do direito de escolha do consumidor. Em certos casos, não hesitam em adicionar componentes que viciam, criam dependência, visando a manter um público consumidor cativo, como é o caso da nicotina nos cigarros, das famigeradas bets para a classe baixa ou das redes sociais para as crianças e adolescentes. Empresários fazem lobbies nos parlamentos (isto é, corrompem parlamentares) para que estes defendam seus interesses, garantindo isenções fiscais ou vetando leis que prejudiquem ou inviabilizem seus negócios. Empresários usam de seu poder econômico para oprimir seus empregados (cinicamente chamados de “colaboradores”) e seus consumidores, obrigando estes a sujeitar-se ao que lhes é oferecido. Se o consumidor tenta reclamar, deve primeiro submeter-se à via crucis do menu eletrônico e suas infinitas opções, dos call centers e seus atendentes gerundistas, dos longos prazos (estipulados pelas próprias empresas) de espera por uma resposta para, ao final, receber uma nota redigida pela assessoria de imprensa dizendo sarcasticamente que ele (consumidor) é muito importante para a empresa, mas que infelizmente sua reclamação não pôde ser atendida ou porque não procede ou por razões técnicas ou porque a lei não o obriga, etc. etc.
Empresários geram empregos, mas também são aqueles que elevam imediatamente o preço do combustível na bomba quando ele sobe na refinaria, mas jamais reduzem o valor no posto quando ele cai na petrolífera. Empresários reduzem o volume da embalagem quando não podem aumentar o preço do produto e assim vendem um litro de 900 ml, um quilo de 950 gramas e um pó de café com mais serragem e menos café. Empresários correm com seus Porsches e outros carros de luxo em vias públicas onde a velocidade máxima é 50 km/h, matando trabalhadores inocentes e pais de família, pois, sendo ricos, estão acima da lei. E se a lei os atinge, sempre existe o famoso jeitinho, não é? Finalmente, empresários patrocinam e financiam um golpe de Estado para destruir a democracia a fim de que um governo de esquerda (mesmo que seja aquele que mais favoreceu o sistema financeiro) assuma o poder. Aliás, grandes corporações influenciam o resultado de eleições no mundo inteiro para que seus interesses econômicos não sejam contrariados.
Verdade seja dita e justiça seja feita, há muitos empresários honestos e éticos, sobretudo os pequenos, e empreender não é fácil, ainda mais no Brasil, com seu cipoal de tributos, normas legais, burocracias e fiscais corruptos. Mas o fato é que a atividade empresarial, cerne do capitalismo, está fundada num dos instintos mais primitivos do ser humano, a ganância, o desejo infinito de poder e de dinheiro, em nome do qual se mata e se morre, destrói-se a sociedade e o planeta, e pensa-se somente em si mesmo e em mais nada.
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Aldo Bizzocchi é doutor em linguística e semiótica pela Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutorados em linguística comparada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e em etimologia na Universidade de São Paulo. É pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Etimologia e História da Língua Portuguesa da USP e professor de linguística histórica e comparada. Foi de 2006 a 2015 colunista da revista Língua Portuguesa.
Autor, pela Editora GrupoAlmedina, de “Uma Breve História das Palavras – Da Pré-História à era Digital”
Site oficial: www.aldobizzocchi.com.br