Calamidades. Por Alexandre Schwartsman

 Calamidades

 Por Alexandre Schwartsman

Note-se que não foram os investimentos (presumivelmente associados aos Jogos Olímpicos, embora estes sejam de responsabilidade municipal) que causaram este estrago, pois encolheram no período…

Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo, coluna do autor, edição 22 de junho - 2016

O governador em exercício do Rio de Janeiro, Francisco Dornelles, decretou estado de calamidade pública no estado. Normalmente isto ocorre em face de um desastre de grandes proporções e, sinceramente, não há outra forma de descrever a gestão fiscal do Rio de Janeiro.

Segundo os dados divulgados pelo Tesouro Nacional acerca das finanças estaduais, enquanto o conjunto dos demais estados registrou (a preços de 2015) superávit primário pouco inferior a R$ 26 bilhões entre 2012 e 2015, o Rio de Janeiro apresentou déficit de R$ 6,8 bilhões. No ano passado o déficit fluminense atingiu R$ 3,6 bilhões (equivalente a 6% de sua receita bruta); já os demais estados da federação conseguiram gerar superávit de R$ 10 bilhões (cerca de 1% de sua receita bruta).

Esta diferença de desempenho não pode ser atribuída à receita, que cresceu de forma semelhante no Rio (0,6% aa além da inflação) e nos demais estados (0,7% aa), mas sim à evolução das despesas. Entre 2012 e 2015 as despesas no estado aumentaram 4% aa acima da inflação; nos demais estados o crescimento atingiu menos da metade (1,7% aa

Note-se que não foram os investimentos (presumivelmente associados aos Jogos Olímpicos, embora estes sejam de responsabilidade municipal) que causaram este estrago, pois encolheram no período. Por outro lado, a despesa com pessoal no Rio aumentou ao ritmo de 7% aa acima da inflação contra 3% aa nos demais. Isto explica quase a totalidade do aumento dos gastos não financeiros do estado

Resumindo, o desastre fiscal, agora batizado de calamidade pública, não caiu do céu. Em que pesem perdas de receitas mais significativas em 2016, a verdade é que o Rio gastou nos anos anteriores sem maiores preocupações com que isto viesse a ocorrer, aumentando despesas principalmente onde a rigidez orçamentária é maior. Não há outro culpado que não o governo do estado pela penúria que hoje sofre

Isto dito, embora o Rio de Janeiro seja um caso patológico (seguido de perto por outros, como Rio Grande do Sul e Bahia), há sinais preocupantes vindos das finanças estaduais tomadas em conjunto

O governo federal permitiu que estados se endividassem, supostamente para investir, mas, na prática, a falta de controle permitiu o gasto crescente com pessoal.

 De fato, sua folha de pagamentos não para de aumentar, atingindo R$ 321 bilhões (60% da despesa) no ano passado contra R$ 289 bilhões (57% da despesa) em 2012, ou seja, a trajetória dos gastos com pessoal ameaça se tornar insustentável, reduzindo o já diminuto espaço para investimentos. Além disto, como notado acima, o aumento do peso da folha no total das despesas torna o orçamento cada vez mais difícil de manejar, em particular nos períodos recessivos.

 Estados agora conseguiram moratória de suas dívidas para com a União, alegando que se tornaram impagáveis. Não é verdade: a dívida com a União caiu de 13% do PIB no começo de 2003 para 8% do PIB hoje; impagável é uma trajetória de gastos sem controle.

 No ajuste fiscal de 1998-2000 (R$ 110 bilhões a preços de hoje), estados responderam por um quinto do total. Hoje, porém, com a capitulação do governo federal vão atuar no sentido inverso, provavelmente ampliando seus gastos em R$ 50 bilhões nos próximos 18 meses, aí sim uma verdadeira calamidade.

50 bilhoes em acao
50 bilhões em ação

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Alexandre-BSB• * ALEXANDRE SCHWARTSMANDOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS

@alexschwartsman
aschwartsman@gmail.com

(O Blog A MÃO VISÍVEL, de Alexandre Schwartsman, agora integra o Site Chumbo Gordo, no http://www.chumbogordo.com.br/categorias/a-mao-visivel/)

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