Personagens da Copa do Mundo – VII. Garrincha, o gênio das pernas tortas. Coluna Mário Marinho

PERSONAGENS DAS COPAS DO MUNDO – VII

Garrincha

O gênio das pernas tortas

COLUNA MÁRIO MARINHO

Não foi fácil para o Chile realizar a Copa de 1962: dois anos antes o País foi abalado pelo mais violento terremoto de toda a história da humanidade. Em maio de 1960 o Chile foi sacudido por sismo que atingiu a 9,5 pontos, numa escala que vai até 10.

O centro-sul do País teve que ser reconstruído. Mas o valoroso povo se uniu sob o slogan “Porque nada temos, tudo faremos”. E a Copa saiu.

Quatro anos menos moça; quatro anos mais velha; quatro anos com mais experiência; quatro anos com mais futebol. Foi assim que a Seleção Brasileira chegou ao Chile para disputar a Copa do Mundo, na comparação com o time campeão do Mundo em 1958.

O técnico era Aymoré Moreira, que substituía o adoentado Vicente Feola, e foi muito criticado por levar um time de velhos, segundo ranzinzas cronistas esportivos da época.

Do time que fez a final em 1958 e goleou a Suécia, 5 a 2, nove estavam em campo no jogo de estreia contra o México, no dia 30 de maio: Gilmar, Djalma Santos, Nilton Santos, Zito, Garrincha, Didi, Vavá, Pelé e Zagallo. As novidades estavam na zaga: Mauro e Zózimo, que substituíram Bellini e Orlando.

A estreia foi uma fácil vitória sobre o México, 2 a 0, com Pelé marcando seu único gol naquela Copa. No jogo seguinte, contra a dura Tchecoslováquia, Pelé chutou uma bola de fora da área, aos 28 do primeiro tempo, deu um grito de dor e caiu. Teve distensão na virilha esquerda.

O Brasil passou o resto do jogo com apenas 10 jogadores: Pelé fazia número num canto do campo, pois não eram permitidas substituições. No final, um empate por 0 a 0.

A séria contusão afastou Pelé da Copa e do futebol pelos próximos meses.

Com Pelé machucado, a Copa foi de Garrincha. A atuação do ponta-direita de pernas tortas foi fantástica. Driblou, cruzou, catimbou, marcou gols e até foi expulso (foi a única na sua vida). Ganhou a Copa.

Garrincha teve carreira curta, abatido pelo álcool, o único marcador que conseguiu pará-lo.

Enquanto jogou futebol, foi imarcável, imparável.

Fez da mesmice sua genialidade: todo mundo sabia que na hora do drible, ele sempre saía pela direita. Mas, quando iria sair? Até onde ele iria?

Só ele sabia. Por isso, pretensos marcadores, por mais duros que fossem, se tornavam personagens cômicos – ou simples joões.

Após a Copa de 1962, Garrincha teve rumoroso caso com a cantora Elza Soares.

Muitas vezes ouvi a acusação de que ela se aproveitou da ingenuidade do ponta direita.

Bobagem.

Elza se apaixonou por aquela figura simplória e muito o ajudou. O problema é que, dominado pelo vício, Garrincha nunca deu muita importância a quem tentou ajudá-lo.

Mas, ele era mesmo ingênuo, simplório.

Em 1968, eu estava no Rio de Janeiro quando se deu mais uma volta do Garrincha ao futebol: desta vez, pelo Flamengo.

Fui até à Gávea, assisti ao treino e combinei com o Garrincha uma entrevista em seu apartamento.

À tarde, conforme o combinado, estava no apartamento onde ele morava com a Elza, na rua República do Peru, em Copacabana.

Assentamos, os três, na espaçosa e confortável sala e começamos a conversar. Meia hora depois de conversa, perguntei a ele sobre os tratamentos médicos equivocados de que fora vítima no Botafogo e que danificaram irreversivelmente seus joelhos.

Com sua voz tranquila, respondeu-me:

– Foi nada não, gente boa (era assim que ele tratava a todos cujo nome não sabia ou não se lembrava). Foi nada não, lá no Botafogo só tinha gente boa.

Impaciente, Elza Soares interrompeu a entrevista.

– Olha, Nenê (era assim que ela o chamava) vai lá pra cozinha fazer um café pra nós que eu vou contar essa história.

A história, de um modo geral, era bastante conhecida: Garrincha, com sérios problemas no joelho, entrava em campo às custas de infiltrações. Às vezes, as infiltrações eram aplicadas até mesmo no intervalo do jogo para que ele pudesse voltar no segundo tempo.

E isso era feito, principalmente nos amistosos, para que o Botafogo recebesse o pagamento integral da cota. Sem Garrincha, o Botafogo recebia menos.

Juntaram-se a irresponsabilidade médica com a irresponsabilidade do Garrincha, que não se cuidava, e deu no que deu: morreu no dia 20 de janeiro de 1983, aos 50 anos de idade.

Garrincha – Manoel Francisco dos Santos

(*Pau Grande-RJ, 18/10/1933 +Rio de Janeiro-RJ, 20/01/1983)

Posição – Ponta-direita

Jogos – 60 (52 vitórias, 7 empates, 1 derrota, 17 gols)

Copas disputadas – 1958, 1962, 1966

Títulos pela Seleção – Taça Bernardo O’Higgins (1955, 1959, 1961); Copa do Mundo (1958, 1962); Taça Oswaldo Cruz (1958, 1961, 1962); Copa Roca (1960).

Clubes em que jogou – Botafogo-RJ, 1953 a 1965; Corinthians-SP, 1966; Portuguesa-RJ, 1967; Atlético Junior-COL, 1968; Flamengo-RJ, 1968 a 1969; Olaria-RJ, 1971 a 1972.

Divirta-se com algumas imagens do fantástico Garrincha.

Triste
registro

Hoje, 4 de janeiro, se vivo fosse, o Jornal da Tarde estaria completando 52 anos de idade.

Morreu vítima da inanição intelectual de terceiros.

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FOTO SOFIA MARINHO

Mario Marinho – É jornalista. Especializado em jornalismo esportivo foi durante muitos anos Editor de Esportes do Jornal da Tarde. Entre outros locais, Marinho trabalhou também no Estadão, em revistas da Editora Abril, nas rádios e TVs Gazeta e Record, na TV Bandeirantes, na TV Cultura, nas rádios 9 de Julho, Atual e Capital. Foi duas vezes presidente da Aceesp (Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo). Também é escritor. Tem publicados Velórios Inusitados e O Padre e a Partilha, além de participação em inúmeros livros e revistas do setor esportivo.
 (DUAS VEZES POR SEMANA E SEMPRE QUE TIVER MAIS NOVIDADE OU COISA BOA DE COMENTAR)

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