veado Roberto

O assassinato do veado Roberto. Por Antonio Contente

… O título, que chamou a atenção de todos, poderia até ser considerado cômico, se não fosse trágico. Dizia assim: “Veado Robertinho é morto a facadas”. Pois bem, a partir daí ficamos sabendo o seguinte: o corpo de Roberto, apresentando contundentes ferimentos por aquilo que antigamente chamavam de “arma branca”…

veado Roberto

Isso aconteceu quase no final do século passado, pouco antes da computação chegar às redações dos jornais. Que puderam registrar, na base das máquinas de datilografar, que o populoso bairro de Sapopemba, em São Paulo, nunca vivera dias tão movimentados, justamente em função de um crime. No qual a vítima recebeu quatro certeiras e mortais facadas. Com o morto por pouco não entrando em estado de decomposição a céu aberto em virtude das divergências quanto ao local em que deveria ser sepultado.

O caso, como não poderia deixar de ser, chegou à primeira página do “Notícias Populares”, o principal matutino de matérias policiais da cidade, à época. O título, que chamou a atenção de todos, poderia até ser considerado cômico, se não fosse trágico. Dizia assim: “Veado Robertinho é morto a facadas”.

Pois bem, a partir daí ficamos sabendo o seguinte: o corpo de Roberto, apresentando contundentes ferimentos por aquilo que antigamente chamavam de “arma branca”, foi descoberto,  numa ensolarada manhã de verão escaldante, sob uma árvore no quintal da casa da cabeleireira Sônia Azambuja, viúva de 45 anos. A santa senhora, diante do quadro macabro, saiu correndo para o interior da residência, a arrancar os cabelos:

         — Mataram o Roberto! Mataram o Robertinho!

No que a vizinhança juntou, formou-se o rolo porque Sônia não teve dúvidas em apontar seu vizinho, conhecido como Besouro, desempregado, como sendo autor do crime. Daí para o caso chegar à redação do jornal foi rapidinho.

         — Você não sabe da maior – o informante debruçou-se sobre a mesa do redator-chefe.

Acostumado a todo tipo de notícia, ele limitou-se a gemer um “hum hum” sem levantar os olhos do que vinha fazendo. Só que o outro continuou.

         — Acontece, meu caro, que mataram um veado em Sapopemba e o caso tá dando o maior bolôlô.

         — Um veado? – O outro ergue a vista, agora interessado.

         — Isso. Sei apenas que se chamava Roberto. Levou quatro facadas e o suspeito é um desempregado vizinho da vítima.

No que um repórter foi mandado para o local do crime os detalhes começaram a aparecer. O mais relevante deles seria que o suposto criminoso de há muito estaria de olho em Roberto. Sobre isso a viúva Sônia Azambuja declarou:

         — Eu o surpreendi muitas vezes vigiando o Robertinho.

         — Com segundas intenções?

         — Só Deus sabe…

Nessa altura os policiais resolveram apertar de maneira decisiva o suspeito:

         — Onde está a arma?

         — Que arma?

         — A que você usou para cometer o crime.

         — Não cometi crime nenhum. Todo mundo sabe que eu gostava do Roberto.

       —Muito bem – o investigador se torna grave – mas fique sabendo que a peixeira, ensanguentada, estava sobre o seu guarda-roupa. Nós a achamos.

Feita finalmente a confissão por pouco o desempregado Besouro não foi linchado. Mas, enquanto isso, as horas rolavam e o cadáver, insepulto, permanecia estirado sobre uma mesa na sala de poucos cômodos onde a viúva residia.

Justamente neste ponto começou a polêmica. Por uma razão aparentemente simples: Sônia Azambuja queria sepultar a vítima em seu próprio quintal. Já o delegado que acompanhava o caso não queria permitir. Com o que ele não contava, porém, era com o protesto dos moradores que estavam solidários com a viúva. Daí que resolveu telefonar para outro policial que estava acima dele na hierarquia.

         — O problema – o homem da lei começa – é que querem sepultar a vítima no quintal.

       — Diabo! – a autoridade berra – Então você acha que é possível permitir que um ser humano seja enterrado num fundo de quintal? Você tá pensando que isso aqui é o que? A casa da mãe Joana?

         Foi nesse ponto que o polícia que ligava cicia, baixinho:

         — Mas, doutor, não se trata e um ser humano!…

Exatamente nesse instante os equívocos começaram a ser desfeitos. O morto era um animal mesmo, quadrúpede oriundo das matas de Mato Grosso que atendia pelo nome de Roberto. Sua dona o criava desde pequenininho, e ele praticamente se tornara mascote do bairro quase inteiro. Quanto ao motivo do crime, o desempregado Besouro não poderia ser mais sucinto:

         — O que eu estava querendo mesmo era comer o veado. Afinal, com o preço da carne de boi… E churrasco desse animal é uma delícia…

Nessa altura dos acontecimentos, houve finalmente o consenso. O Bambi acabou indo para a panela e foi servido num grande almoço, pois, naquela data, dona Sônia Azambuja fazia aniversário. Só que proibiram a entrada à grande comilança do, se assim podemos chamar, assassino. Que acabou preso por crime ambiental.

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Antonio ContenteANTÔNIO CONTENTE – Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.

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