Philusdrek. Por Alexandre Schwartsman

Philusdrek

Por Alexandre Schwartsman

… Vivemos um momento, se não inédito, ao menos muito raro. Taxas de juros se encontram em patamares próximos a zero (ou até negativas) nas principais economias desenvolvidas e mesmo assim o crescimento global permanece modesto…

Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo, coluna do autor, edição de 5 de outubro de 2016

Meu primeiro carro foi um Corcelzinho 77, apelidado Philusdrek (mistura nada elogiosa de grego e iídiche), que no fim da vida só subia ladeiras com o acelerador pregado no chão (e, ainda assim, já não encarava a temível Ministro Rocha Azevedo). Apenas quando me aproximava do topo do espigão da Paulista é que se tornava possível aliviar o acelerador. Estava tão fraquinho que trocá-lo por um Fiat 147 foi uma baita melhora…

Não me esqueço dele ao acompanhar as discussões sobre política monetária ao redor do mundo.

Vivemos um momento, se não inédito, ao menos muito raro. Taxas de juros se encontram em patamares próximos a zero (ou até negativas) nas principais economias desenvolvidas e mesmo assim o crescimento global permanece modesto, embora alguns países, notadamente os EUA, já estejam vivendo uma situação mais próxima da normalidade no mercado de trabalho.

Neste aspecto, estas economias se assemelham ao Philusdrek encarando uma pirambeira: seus BCs mantiveram o pé na tábua do acelerador monetário, mas a fraqueza dos motores não permitiu que este impulso se traduzisse em velocidade mais alta; de maneira geral pareceu ser apenas o suficiente para evitar que – como me ocorreu certa vez – o carro morresse e ameaçasse deslizar ladeira abaixo.

Na Europa, em particular, não há indicações de fim da ladeira. Ao contrário, agora, além da periferia do continente, vemos problemas afetando o maior banco alemão, sintoma das dificuldades do sistema bancário de superar a perda de qualidade dos seus empréstimos e uma capitalização ainda inadequada. Com isto o crédito segue mais escasso e caro do que deveria dadas as taxas de juros definidas pelo BCE, sugerindo que nem todo combustível monetário tem chegado ao motor da economia europeia.

Já no caso americano a situação é bastante distinta. Tudo indica que a subida está chegando ao fim, daí o animado debate hoje travado no próprio comitê de política monetária do Federal Reserve acerca do momento de nova rodada de elevação de taxas de juros, ou, para colocar a situação em nossos termos, quando será necessário tirar um pouco mais o pé do acelerador para evitar que o carro ganhe mais velocidade do que permitido uma vez superada a ladeira.

A comunicação do Federal Reserve deixa claro que os membros do comitê preferem uma multa por excesso de velocidade à frente a deixar o carro morrer, o que explica não só a particular lentidão ao longo deste ano como sua visão de um ajuste extraordinariamente gradual da política monetária. A maioria prevê que a taxa de juros no final de 2017 estará abaixo de 1,25% ao ano, embora alguns ainda acreditem em normalização mais rápida, mas que deixaria os juros na casa de 2% ao ano, bastante baixos para o padrão histórico.

Assim, apenas em 2018 e 2019, de acordo com a visão hoje prevalecente no Federal Reserve, veríamos taxas de juros algo mais próximas de valores “normais”. Isto nos daria um par de anos para por a casa em ordem, ou seja, face à enormidade da tarefa, já deveríamos ter começado a nos mexer no ano passado.

O risco, porém, é que, como no meu caso, o Philusdrek seja trocado por algo melhor (até mesmo por um Fiat 147!), o que não nos daria sequer dois anos de folga. Já passou a hora de adiar o encontro com a verdade.

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Alexandre-BSB• * ALEXANDRE SCHWARTSMANDOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS

@alexschwartsman
aschwartsman@gmail.com

(O Blog A MÃO VISÍVEL, de Alexandre Schwartsman, integra o Site Chumbo Gordo, no http://www.chumbogordo.com.br/categorias/a-mao-visivel/)

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